"Parem com essa ideia de seguir maestro. Vocês sabem tocar. Não esperem por mim." Por mais estranha que pareça para um maestro, essa foi uma das principais orientações do músico Alex Klein ao reger um dos últimos ensaios da Megaorquestra, que reuniu em torno de 400 alunos no alvoroçoso concerto de encerramento do 8.º Festival de Música de Santa Catarina (Femusc), realizado entre 20 de janeiro e 2 de fevereiro, em Jaraguá do Sul.
Ao dar tal liberdade aos músicos alunos de 19 estados brasileiros e de quase 30 países , Klein fazia um dos "exercícios culturais" ligados ao ambicioso conjunto de ideais do festival-escola o maior da América Latina, de acordo com a organização.
Para o músico, que criou o evento em 2006 (leia mais ao lado), o festival é um movimento e um manifesto pela valorização da cultura brasileira e latino-americana. "Nosso caminho para o primeiro mundo deve ser baseado na nossa cultura, e não na imposição de culturas que já alcançaram tal patamar", diz Klein, citando atrações como o "Zoológico Musical" evento em que se espalham músicos por todo o teatro em "jaulas" a serem visitadas pelas crianças como ideias que causariam estranhamento na Europa.
A rejeição à desigualdade seria um dos traços brasileiros. Para engajar lideranças das novas gerações de músicos, o diretor artístico deixa em torno de 95% da programação a cargo da sugestão de professores escolhidos a dedo a partir de seu "talento humanitário para respeitar nosso modo de ver o mundo" e, sobretudo, alunos muitos selecionados a partir da ordem de inscrição para dar chance a estudantes sem acesso ao circuito musical das capitais.
"É um festival grande e muito importante, com a diferença que os alunos têm muita voz aqui. Grande parte deles se envolve muito, ama o festival e sempre retorna. No meio tempo, estamos sempre em contato nas redes sociais, conversando e sugerindo", conta o jovem violinista capixaba João Felipe da Fraga, participante pela quarta vez.
Foi ele quem sugeriu a execução da desafiadora Sinfonia N.º 10 de Shostakovich, que ficou a cargo da regência da britânica Catherine Larsen-Maguire (foto). Foram 13 dias para ensaiar uma orquestra formada por alunos de várias partes do mundo, com resultado elogiado por personalidades do calibre do compositor Marlos Nobre. "Não tenho certeza o quanto isto influencia diretamente para você tocar a nota certa no momento certo, mas claro que, ao longo destas duas semanas, tudo o que aconteceu no festival as ideias, os princípios, a atmosfera surpreendente, teve a ver com o resultado", diz Catherine.
O repórter viajou a convite do Femusc.
Entrevista"Fundamos uma entidade livre de mudanças políticas"Alex Klein (foto 1), maestro, idealizador e diretor artístico do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc)
Confira trecho da entrevista concedida pelo maestro gaúcho Alex Klein para a Gazeta do Povo.
Você esteve à frente da Oficina de Música de Curitiba entre 2002 e 2005, antes de iniciar o Femusc em Jaraguá do Sul. As condições para dirigir eventos de tal porte foram muito diferentes nas duas cidades?
São eventos totalmente diferentes, porque o Femusc é privado. Fundamos uma entidade livre de mudanças drásticas na liderança política. No Brasil, todas as instituições ligadas a governos sofrem alterações abruptas a cada quatro anos, porque não temos em todos os setores uma maturidade política que nos garanta uma continuidade. Ainda se permite que uma nova eleição traga guinadas de 180 graus nas prioridades. No Femusc, fazemos planejamentos de cinco anos. Temos esse luxo porque somos uma entidade privada.
Esta é a questão que liga a sua saída da Oficina e a criação do Femusc?
A edição de 2006 [da Oficina] estava pronta, mas a nova administração achou que o evento deveria ter metade do orçamento. Como no Femusc, fazíamos o máximo com o mínimo. O corte de 50% inviabilizou o projeto. O governador de Santa Catarina disse que havia interesse e que este era um projeto para Jaraguá que tinha acabado de construir a Sociedade Cultura Artística (SCAR). No momento, este ideal está plantado aqui e estamos sendo muito bem-recebidos pela comunidade, pelo empresariado e pelos políticos. Desde a Chicago Symphony Orchestra [Klein foi oboísta principal do grupo entre 1995 e 2004] não trabalho em um projeto tão organizado, tão pacífico e de tanto consenso.
Você está à frente de uma instituição pública hoje, que é a Orquestra Sinfônica da Paraíba. Chegou a haver uma carta de músicos pedindo o seu afastamento no ano passado.
A nova administração estadual decidiu renovar a orquestra e foi descobrindo coisas erradas. Quando cheguei, isso já estava em andamento e não tive participação. A opção de alguns foi tentar causar escândalo, mas isso foi olhado por cima. A orquestra passou de um para seis concertos mensais, voltamos a ter concertos educacionais, nenhum músico foi demitido, demos 46% de aumento salarial. Mas aí vem a questão: daqui a dois anos tem eleição. Estou ciente de que teremos um soluço. O que vai acontecer depois, não se sabe.
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