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Entender de Astrofísica não é para qualquer um – exige um talento raro. Compreender o assunto a ponto de explicá-lo a pessoas comuns talvez seja ainda mais difícil – e, portanto, exige um talento ainda mais raro. Há uma década, o cientista brasileiro Marcelo Gleiser decidiu encarar o desafio. Escreveu um livro sobre a origem do universo e a respeito das explicações para o assunto que a humanidade já leu. Mais: aproveitou a ocasião para falar das relações entre ciência e religião, mostrando que as duas não estão em pólos opostos, como muita gente costuma pensar. O livro era A Dança do Universo e abriu caminho para que Gleiser se tornasse cada vez mais conhecido.

O segundo livro – O Fim do Céu e da Terra – e uma coluna semanal no caderno Mais!, da Folha de São Paulo, aumentaram a popularidade. No domingo passado, Gleiser estreou uma série sobre ciência no Fantástico da Rede Globo. Em episódios curtos e de linguagem fácil, ele tenta explicar o Big-Bang e a origem da vida, aqui e, quem sabe, em outros planetas. De certa maneira, está atingindo um grau de popularidade que talvez nenhum outro cientista brasileiro da atualidade tenha conseguido.

Além disso, Gleiser está começando a trilhar um novo caminho. Acaba de lançar seu primeiro romance, A Harmonia do Mundo (Companhia das Letras, 328 págs., R$ 42). É o quinto livro do autor. Embora se trate de um trabalho de ficção, tem tudo a ver com os anteriores. É uma biografia romanceada de Johannes Kepler, um homem que, ao lado de nomes como Newton, Galileu e Copérnico, forma a base da ciência moderna.

Quer mais? Gleiser também virou consultor de cinema. Ele está entre os roteiristas de O Maior Amor do Mundo, de Cacá Diegues, que estreará em breve. O filme conta a história de um astrofísico e Gleiser foi procurado para dar noções sobre o tema. Acabou ajudando a escrever o filme. Com tudo isso, a comparação com Carl Sagan, o cientista norte-americano que se dedicou à divulgação científica, é inevitável. Sagan se tornou popular com sua série Cosmos, exibida pela tevê, pelos seus livros e até pela história que originou o filme Contato, estrelado por Jodie Foster.

Nesta semana, Gleiser esteve no Paraná, a convite das Livrarias Curitiba, para lançar seu primeiro romance. E deu a entrevista a seguir ao Caderno G:

Caderno G – Você é agora oficialmente o Carl Sagan brasileiro?

Marcelo Gleiser – Muita gente faz essa comparação. Eu prefiro dizer que eu sou o Marcelo e ele é o Carl Sagan. Mas é verdade que temos em comum o trabalho de divulgação científica. Ele fez livros, documentários que foram exibidos na televisão. Mas são casos diferentes.

Mas imagino que Cosmos tenha sido uma influência importante para você, como para todo garoto da época que gostava de ciências.

Foi, sim. Foi importante. Mas não foi o que mais me influenciou. Fui mais influenciado pela chegada do homem à Lua. A história da Sputnik. Vendo tudo aquilo foi que eu me interessei por algumas grandes perguntas. Que são as perguntas fundamentais, tanto da ciência quanto da religião. De onde surgiu o universo, como surgimos. Esse tipo de questionamento que até hoje baseia meu trabalho.

Você citou dúvidas científicas e religiosas. Seu primeiro livro, A Dança do Universo, tenta mostrar que as duas coisas estão longe de ser opostas. Você é um homem religioso?

Não exatamente. Mas respeito muito a religião. Entendo que as pessoas precisem deste tipo de conforto que a religião é capaz de dar. Acredito que o cientista que evita a religião se afasta de cerca de 95% da população mundial.

Depois de dois livros de ciência e um de artigos para jornal, você agora publicou um romance. Já havia tentado escrever ficção antes?

Já havia tentado. Desde que eu escrevi A Dança do Universo, fiquei com a idéia de fazer um romance. Estudei a vida do Kepler para escrever o livro e falei para a minha mulher, já na época, que daria um grande romance. Mas primeiro eu precisava aprender a escrever. Escrevi vários contos, que ainda não foram publicados. E agora fiz o romance.

Você pensa em escrever ficção que não tenha relação com ciência?

Tem esses contos que eu escrevi, que têm nada a ver com Física. São mais ou menos contos de fadas para adultos. Mas não. Por enquanto, a literatura que eu tenho bolado na minha cabeça como especulação tem alguma coisa a ver com ciência, ou com ciência e religião.

Você já falou que não tem preconceito contra religião. Outro preconceito arraigado nos intelectuais é contra a cultura de massas, a tevê. Você também é uma exceção?

Nos Estados Unidos e na Europa, a divulgação científica na televisão era uma coisa muito criticada. Porque se dizia que estava comprometendo o sentido das coisas. Isso é uma grande besteira. Você tem de fazer uma diferenciação. Uma é você levar as idéias básicas da ciência, informar as pessoas. Outra é formar um cientista. Óbvio que um programa como o Fantástico não se propõe a formar um cientista. Se a crítica é essa, é deslocada, defasada. O que acontece é que você inspira muitas pessoas a fazer ciência. Recebo várias mensagens de pessoas que dizem que querem fazer ciência por lerem sobre isso. O Fantástico atinge 40 milhões de pessoas e abre um espaço inédito na tevê aberta mundial, acho, para falar sobre ciência. Não é um sacrilégio, é um privilégio. Seria uma coisa dinossáurica criticar isso. Quem quiser me criticar como cientista tem que ler meus 80 ou 100 artigos científicos. É outro mundo.

Sobre o que é o teu trabalho hoje como pesquisador?

Eu trabalho com duas áreas. Uma é a Cosmologia, que estuda a origem e a evolução do Universo, o Big-Bang. Outra área nova, que eu estou mexendo de um ano para cá, é a Astrobiologia. Que é o estudo da vida fora da Terra. Mexendo com outra daquelas grandes questões, mas de uma forma científica, quantitativa. Isso também vai estar presente dentro desta série do Fantástico.

Você mora fora do país, nos Estados Unidos, há vários anos. Por quê?

Eu saí numa época em que isso era comum. Recebi uma bolsa do governo para fazer um doutorado fora. Fui, casei e tinha sempre o plano de voltar. Mas tive filhos e fui ficando. Agora pensei que estava na hora de voltar para o Brasil e trazer um pouco desse conhecimento. Afinal, foi o país que me financiou nessa ida para fora. Mas não estou morando aqui.

Você fala em responder as grandes questões. Você já respondeu as suas?

Não, porque o importante não é a resposta em si. É a procura. Eu acho que o importante é você buscar aquela resposta. São questões tão complexas que talvez a resposta nem exista. Mas na procura você cria conhecimento.

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