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Na tarde do sábado passado, o cartunista Benett Macedo recuperava-se de uma ressaca enquanto assistia a uma maratona de seis horas de seu programa favorito de tevê a cabo – o seriado norte-americano Seinfeld – quando recebeu uma ligação que o deixou estupefato. Tratava-se de uma pessoa responsável pela organização do 32.º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, um dos eventos mais tradicionais do gênero no país, que já revelou talentos como os cartunistas Laerte, Angeli, Glauco e Adão. Sem grandes rodeios, a voz do outro lado da linha anunciou que ele havia sido o vencedor da categoria tiras em quadrinhos, cujo prêmio corresponde a uma significativa quantia em dinheiro, R$ 4 mil.

Após colocar o telefone no gancho, ao invés de dar pulos de alegria, Benett simplesmente retornou ao sofá e voltou a conferir as trapalhadas de Jerry Seinfeld, George Constanza, Elaine Benes e Cosmo Kramer, pois achou que tudo não havia passado de um trote telefônico.

Mas, para sua sorte, ele estava errado. Um júri formado por figuras como Angeli, Chico Caruso, Zélio, Ziraldo, entre outros, escolheu o conjunto de quatro páginas de tirinhas intitulado "Galeria de Personagens Fracassados", inscrito por Benett dentre os 1.800 desenhos enviados por cartunistas de 27 países à organização do evento, dos quais apenas 245 foram selecionados para as categorias cartum, charge, caricatura e tiras. "Juntei uns desenhos que não havia conseguido publicar em nenhum lugar e chamei de ‘personagens fracassados’ para ver se conseguia causar um pouco de pena nos jurados", brinca.

Cartunista da Gazeta do Povo há seis anos – jornal no qual, além das tirinhas de personagens como Punkadinha e Salgadinhos Radioativos, é responsável por charges políticas e cartuns ilustrativos de matérias jornalísticas – Benett, 31 anos, persegue o ofício de desenhista de humor desde que se entende por gente.

Natural de Ponta Grossa, era comum levar bronca de professores por passar aulas inteiras criando quadrinhos, o que, apesar de tê-lo levado a diversas reprovações, até que rendeu algumas vantagens. "Eu tentava vender os desenhos para os meus amigos e eles compravam. Em troca, me davam canetas, réguas e até uns lanches eu consegui", lembra. Mas o bicho pegou mesmo em uma das vezes que Bennet cursou a sexta série do ensino fundamental: o garoto repetente foi pego com um exemplar da revista Chiclete com Banana, de Angeli, em plena sala de aula.

O episódio, mesmo tendo causado reuniões de conselho de classe com a presença de seus pais e assinaturas em registros disciplinares, é considerado pelo cartunista como um marco em sua vida profissional. "Foi aí que eu descobri que realmente existiam desenhistas que conseguiam ganhar a vida, fazendo o estilo de desenho que eu queria fazer. Para mim, a revista foi mais importante que o ano inteiro de aulas de Matemática."

A publicação de Angeli também despertou o gosto de Benett pelos jornais, que passou a lê-los freqüentemente a fim de entender as piadas por completo. "Queria saber por que faziam tantas charges de determinadas pessoas, o que me levou a ler jornais para entender o contexto dos quadrinhos. Foi um processo de conscientização política", explica.

Sua primeira tira foi publicada aos 16 anos, em um jornal de bairro de sua cidade-natal. Pouco tempo depois o cartunista trabalhou para outro jornal ponta-grossense, de onde foi demitido um mês depois, graças a uma tira que parodiava a Via Sacra. "Não dá para mexer com religião, as pessoas não gostam. Mas fui inocente, achei que podia fazer tudo", justifica-se. Após cursar Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Benett partiu para Curitiba, em busca de um emprego como cartunista, que encontrou no extinto jornal Primeira Hora, de onde acabou transferido para a Gazeta do Povo.

Atualmente, além de comemorar o prêmio de Piracicaba após três anos consecutivos de tentativas frustradas – Benett chegou a receber uma menção honrosa do concurso em 2003 –, o cartunista batalha por mais um de seus sonhos: a publicação da revista Zongo Comix. Com data de lançamento prevista para o próximo dia 21, pela Travessa dos Editores, a Zongo terá quatro edições por ano, com distribuição em bancas do Sul e de São Paulo e Rio de Janeiro. "A idéia é que ela seja uma revista autoral, de personalidade e com um proposta libertária", descreve, destacando que, além de quadrinhos, a publicação irá contar com esquetes e trabalhos de colaboradores.

Referências

Ser engraçado todos os dias não é das tarefas mais fáceis. Para manter a inspiração em dia, Benett dedica-se a sessões diárias de tevê, em que assiste a filmes, seriados e programas semanais dos canais abertos. "As pessoas me vêem sentado no sofá, me matando de dar risada. Um tempo depois estou sentado ao sol, lendo um quadrinho. Acham que estou vagabundeando, mas, na verdade, é uma espécie de trabalho", explica.

* Confira abaixo um Top 5 das principais referências do cartunista, na linha "rir para fazer rir".

Woody Allen Cineasta nova-iorquino, diretor de filmes como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Manhattan e o mais recente Igual a Tudo na Vida.

Irmãos Marx Quinteto de irmãos nova-iorquinos precursores da comédia rasgada, nos anos 30. Principal referência de Woody Allen.

Charles M. SchulzCriador das tirinhas da turma Peanuts, da qual faz parte o beagle Snoopy.

Angeli Cartunista paulistano criador da tira Chiclete com Banana, além de personagens como Rê Bordosa, Bob Cuspe, Os Skrotinhos Wood & Stock, entre outros.

Frajola (Sylvester)Gato dos desenhos da Warner Brothers, que se mete em confusões ao tentar devorar o inocente Piu-Piu.

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