O homem que inventou o cool

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Ele fez uma revolução. Quando o estilo consagrado era o hot jazz, ele já tocava com seu jeito cool e impunha, mais do que um estilo de música, um estilo de vida. Parecia tocar o saxofone em câmara lenta, ou deitado numa rede. Um crítico francês, inspirado em Baudelaire, comparou seu sopro a "une sirène sonnant dans le brouillard" — uma sirene, ou sereia, soando em meio à neblina. O escritor Antônio Torres via o sax de Lester "flanando como uma asa delta sobre o beat da banda de Count Basie." E o arranjador Bill Russo proclamou definitivamente: "O jazz moderno foi ‘saxtenorizado’ segundo os padrões e o lirismo de Lester Young."

Lester Willis Young nasceu em 1909. Músico até a raiz dos cabelos. O pai, artista itinerante, tocava todos os instrumentos e levava a família em suas excursões circenses. Ensinou saxofone à segunda mulher, violão a Lester, saxofone e canto à filha Irma e ao caçula Lee. Lester cresceu em Nova Orleans, mas não se entusiasmou pelo jazz tradicional — já tinha os olhos voltados para o futuro. Escolheu a bateria, mas logo descobriu que "era uma roubada". Em suas próprias palavras: "Toquei bateria dos 10 aos 13 anos. Desisti porque cansei de montar e desmontar o instrumento. Eu trocava olhares com as garotas, mas depois do show perdia tanto tempo empacotando a tralha que todas elas sumiam."

Lester escolheu o saxofone e largou o pai aos 18 anos, passando a tocar em big bands. O cânone do sax tenor na época era o sopro robusto e meloso de Coleman Hawkins, cheio de vibrato — uma preferência ditatorial entre a críticos, o público e os próprios músicos. Young soava diferente, mais leve e sem vibrato. Ele próprio explicava: "Meu ídolo era Frankie Trumbauer, comprava todos os seus discos, copiava todos seus solos. Tram tocava sax em dó (C-melody). Tentei tirar um som de dó melódico no tenor, por isso não tenho o mesmo som dos outros tenoristas." Por uma coincidência cruel, quando Coleman Hawkins partiu para a Europa, em 1934, Lester foi chamado para ocupar sua vaga na orquestra de Fletcher Henderson, uma das mais famosas da época. Todos esperavam que ele reeditasse o sopro viril de Hawk. As pressões eram tantas que o deixaram inseguro. A cantora Billie Holiday relatou o seu drama: "Essa conversa de que Lester não tinha um som robusto no tenor o chateou durante meses. Com cada vintém que conseguia, ele comprava mais palhetas e as cortava e aparava com o canivete de todas as maneiras possíveis. Comprou até um saxofone novo. Mas seu som continuava o mesmo. Aquilo era contra a sua natureza e acabou desistindo."

Muita tinta correu sobre a polêmica das duas escolas. O crítico alemão Joachim-Ernst Berendt valeu-se da pintura e comparou Hawkins ao obeso Rubens e Young ao enxuto Cézanne. Luis Fernando Verissimo também escreveu sobre o tema, colocando Hawkins entre os prolixos e Young entre os lacônicos; e fala do "cânon e sua divergência", na literatura, por exemplo: Hemingway, e Fitzgerald, Tolstói e Dostoievski. Ao assumir sua própria voz, já nos anos 1930, Lester Young antecipou em mais de dez anos o cool jazz e a escola cool de tenoristas, que incluiria, entre outros, os negros Paul Quinichette, Wardell Gray, Sonny Stitt, Dexter Gordon e os brancos Stan Getz, Zoot Sims, Al Cohn, Warne Marsh, Phil Urso. Um deles, Brew Moore, dizia: "Qualquer tenorista que não toque como Lester está errado!" Sua influência foi além dos saxofonistas. Jerry Jerome afirmou certa vez que "Lester soava como uma trompa." E vejam só quem baseou sua voz "na trompa, o instrumento mais afinado que conheço..." Sim, ele mesmo: João Gilberto.

A própria atitude cool diante da vida, consagrada por boppers e beats — os existencialistas americanos do pós-guerra, foi grafada em temas de Charlie Parker (Cool Blues), Dizzy Gillespie (Cool Breeze) e do próprio Lester (Just Cooling) — coincidentemente, todos de 1947.

Individualista e solitário, Lester Young nunca se prendeu por muito tempo a orquestras ou grupos fixos, mas seguiu à risca a ideia do improviso, principalmente como estratégia de vida. Com Billie Holiday, viveu uma love story musical. Conheceram-se em meados dos anos 1930, quando ela o apelidou de Pres(ident): "Nesse país, reis, condes e duques não valem nada. Quem manda mesmo é o Presidente." Lester retribuiu a gentileza apelidando Billie de Lady Day. Deprimido num hotel de Nova Iorque, foi morar com Billie e a mãe, que apelidou de Duquesa. Dizia a mãe: "Às vezes eu ouvia um som no quarto ao lado e não sabia se era Lester soprando seu sax ou Billie cantando."

Um dos maiores improvisadores de baladas, Lester inventou um credo: para improvisar bem, o instrumentista precisava conhecer a fundo a letra de cada canção, o seu recado. Esta tese é ilustrada de maneira pungente no filme Por volta da meia-noite, parcialmente inspirado em Young. Numa das mais belas cenas do cinema, o saxofonista interpretado por Dexter Gordon, sentado com o instrumento num meio-fio de Paris no meio da noite, pede ao amigo francês que cantarole "Autumn in New York", para que possa improvisar sobre o tema. Aonde fosse, Lester levava sempre uma vitrola e discos de Frank Sinatra.

Pres e Lady Day gravaram juntos pela primeira vez em 1937 e fizeram 49 faixas em poucos anos. Depois, cada um seguiu seu caminho. Diz o crítico Rudi Blesh: "Poderiam atingir altos momentos de felicidade, mas a paz estava além deles. Eram ensimesmados, introspectivos, dolorosamente sensíveis." Lester morreu aos 49 anos, no Alvin Hotel, na Broadway — diante da decadente "Meca do Jazz", o Birdland — , ao voltar de uma viagem a Paris. No domingo, 15 de março de 1959, às três horas da manhã. "Na noite escura da alma são sempre três horas da manhã," escreveu um dia Scott Fitzgerald, citando San Juan de la Cruz. Billie não demorou a acompanhar Lester: morreu quatro meses depois, aos 44 anos, sob custódia policial, num hospital de Nova Iorque. Duas figuras mitológicas que partiram no meio da noite, mas estão, mais do nunca, presentes na cultura do nosso tempo.