Teatro
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Meio século depois de assistir a O Inoportuno, de Harold Pinter, com direção de Antônio Abujamra, Enio Carvalho apresenta a primeira montagem curitibana do texto, com estreia hoje no Espaço Cultural Falec e temporada até 14 de julho. Não se trata de mero saudosismo: o autor londrino, Nobel de Literatura de 2005 e morto em 2008, é considerado um dos pilares do teatro do absurdo, ao lado de Beckett e Ionesco, e a experiência de ver sua obra no palco marcou a incursão de Carvalho no mundo das artes.
A peça, com duração de uma hora e 20 minutos, circunda um trio de personagens. Aston (Rafael Camargo), irmão mais velho de Mick (Dimas Bueno), leva o mendigo Davies (Zeca Cenovicz) para dentro do apartamento deles, e passa a revelar seu passado conturbado, incluindo uma passagem pelo manicômio, onde eletrochoques o deixaram perturbado (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo).
O vagabundo é então convidado a assumir a zeladoria do prédio, e a relação entre ele e Aston é manipulada por Mick por meio de jogos de poder.
O lugar onde eles moram é uma espécie de cortiço malcuidado um anátema, considerando-se a cultura inglesa e a época, o final da década de 1950, quando o pós-guerra colocava todo o foco na conquista material. O trio de Pinter, porém, fala muito e realiza pouco, sob um crescente sentimento de frustração.
"É uma crítica à vida errada que se escolhe, à vida que não é vida", explica Rafael Camargo, que volta a atuar neste espetáculo após vários anos na direção.
"Nenhum dos personagens alcança seu objetivo. Eles não têm forças, são páreas", diz Zeca Cenovicz, que havia tempos tinha interesse em viver um personagem do autor.
Realismo psicológico
Por ser um dos primeiros textos da carreira de dramaturgo de Pinter, O Inoportuno (em inglês, The Caretaker) precede o mergulho do autor no absurdo, podendo ser melhor descrito como realismo psicológico.
"Os personagens são muito profundos, mas o que dizem nunca está nas palavras. As intenções vão além", emenda Dimas Bueno, que descreve seu personagem, irmão mais novo e empresário malsucedido, como um sádico. Há, inclusive, momentos de humor, com diálogos inusitados que beiram o nonsense.
A cenografia (Maureen Miranda), conforme explica o diretor Enio Carvalho, foi criada à medida em que a peça evoluía, e os recursos cênicos escancaram o teatro para a plateia. A sonoplastia é de Chico Nogueira e a luz, de Nadia Luciani.
Londres
A adaptação, do próprio Carvalho, procurou universalizar o texto, eliminando, por exemplo, as referências a ruas de Londres.
Quem quiser conhecer uma versão tipicamente inglesa pode procurar pelo filme de Clive Donner The Job Offer (A Oferta de Emprego, de 1963, em tradução livre).
Outras obras do autor são The Homecoming (O Retorno à Casa) e The Birthday Party (A Festa de Aniversário, ambos em tradução livre).