Marcia Taborda conta em seu livro como o violão, antes visto como um instrumento plebeu, foi ganhando nobreza no cenário musical brasileiro| Foto: Divulgação

Entrevista

Marcia Taborda, musicista e autora do livro Violão e Identidade Nacional

O livro fala em uma tensão entre a cultura popular e de elite que marcou a história do violão. Há quem diga que, a partir da bossa nova, a situação se inverteu e que a Música Popular Brasileira se tornou até mesmo elitizada. Qual o lugar do violão hoje?

A bossa nova quebrou o mito, porque, no âmbito da música popular, o violão teve acolhimento na elite da zona sul carioca. Isso foi uma imagem que não só permeou a música brasileira no Brasil como a sua presença fora do país. No âmbito da música popular, o violão sai das ruas e chega à elite. A bossa nova, de certa forma, simboliza isso, mas já virou elemento do passado. Acho que hoje ela já não simboliza mais a música no sentido de ser a expressão brasileira, não só no Brasil, como no mundo. Mas o violão continua presente, acompanhando grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e João Bosco.

O violão segue sendo o principal meio de expressão da cultura brasileira?

O violão continua tendo papel fundamental. Ele é um instrumento muito tocado em todas as classes sociais, em todo o país. Continua sendo um instrumento que sempre se difundiu por sua portabilidade, facilidade e preço, não só porque está relacionado aos diversos gêneros da MPB, mas pelas facilidades que implica, apesar de ter uma técnica muito difícil de ser dominada.

No livro, o violão tem um papel importante na criação de novos gêneros, que acabaram formando a própria música popular brasileira. Ele continua ocupando esse lugar?

Hoje está uma coisa mais acomodada. Quem tenta subverter a ordem é gente de música popular com influência da musica de concerto, como Chico Mello, um paranaense que vive em Berlim, e Carlos Careqa. Mas é difícil dizer. Artistas que surgiram nos festivais [da década de 1960] continuam aí. Não tem surgido nada de novo em termos de uma proposta. A canção não mudou, os arranjos não são mais criativos do que já foram. Acho que, realmente, vivemos um momento de estagnação.

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CD europeu de Yamandu Costa tem lançamento nacional

Primeiro trabalho realmente autoral de Yamandu Costa, um dos principais violonistas brasileiros, o disco Mafuá, gravado em 2007, finalmente é lançado no Brasil. O CD, de 13 faixas instrumentais – dez de autoria do violonista –, foi lançado na Europa em 2008, e chega às lojas brasileiras pela Biscoito Fino.

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"Se a modinha é a expressão lírica do nosso povo, o violão é o timbre instrumental a que ela melhor se casa." Hoje, a afirmação do escritor Manuel Bandeira na Revista da Música Popular, em 1956, parece óbvia. Mas a constatação de que o violão é o principal instrumento nacional só se tornou um consenso a duras penas e ao longo de, pelo menos, um século de história da música brasileira. Do período de profundas mudanças na sociedade geradas pela chegada da corte de d. João VI em 1808 à era do rádio dos anos 1930, a história do violão é contada em detalhes pela musicista e pesquisadora Marcia Taborda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no livro Violão e Identidade Nacional (Civilização Brasileira).

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Resultado de uma tese de doutorado em História Social na UFRJ, o livro abrange desde as origens do violão – suas nomenclaturas e evolução – até a disseminação do instrumento, e o seu papel na formação da identidade nacional a partir dos gêneros genuinamente brasileiros que ajudou a criar, "metamorfoseando" o repertório europeu. Por meio de uma rica documentação, Marcia traça a história do instrumento, tanto nos salões de concerto quanto nas ruas, e mostra características da sociedade carioca e alguns dos seus principais personagens.

Tensões sociais

Entre os personagens mais ilustres do livro estão o compositor Heitor Villa-Lobos e o escritor Lima Barreto. Eles foram alguns dos mediadores entre o violão da cultura popular, estigmatizado por ser o principal companheiro de boêmios e "malandros", e uma elite mais interessada em gêneros europeus. Essa tensão entre as tradições popular e erudita, que a autora prefere tratar pelo viés da interação, permeia todo o livro, mas ela não se entrega a generalizações.

"O que sempre me chamou a atenção é que o violão sempre esteve presente em todas as classes sociais. Gêneros como o lundu, o maxixe e o samba foram adotados pelas classes populares, o que fez com que o discurso ressaltasse isso. Mas já havia figuras da elite que se dedicavam ao instrumento", explica Marcia, que lembra a presença do violão no Palácio do Catete, durante a presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914), pelas mãos da primeira-dama Nair de Teffé.

Identidade nacional

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As interações entre a cultura dos morros e dos bailes, que abrasileirou danças europeias como as valsas e polcas, estão na origem de gêneros que seriam promovidos a "música nacional". O Rio de Janeiro, ao concentrar a indústria fonográfica, as rádios, a imprensa e o cinema no período tratado no livro, atuou como centro irradiador de mudanças culturais. O repertório do violão, seus sons, os ambientes em que era tocado e os gêneros que ajudou a desenvolver, foram identificados como inegáveis características nacionais.

O reconhecimento dessa identidade, uma das discussões mais presentes na história cultural brasileira, também é discutida pela autora. Marcia apresenta uma revisão conceitual e crítica de visões como a dos modernistas, marcada pela tensão entre a postura cosmopolita e o tradicionalismo nacionalista."A sociedade estava mudando muito na passagem do século 19 para o 20, daí a recorrência desse tema – essa preocupação sobre o que é o nacional", diz Marcia. "Hoje em dia, isso perdeu o sentido, porque a difusão da cultura e da música mudaram completamente."

Serviço

Violão e Identidade Nacional, de Marcia Taborda. Civilização Brasileira, 304 págs., R$ 34,90.