Depois de quatro anos de trabalho, em 28 de junho de 1963 o escritor argentino Julio Cortázar finalmente publicou sua obra mestra, O Jogo da Amarelinha, desde então, traduzida em 30 idiomas e ainda um sucesso editorial no mercado hispânico, onde vende 30 mil exemplares por ano. A comemoração dos 50 anos de um dos livros mais importantes da história da literatura latino-americana é o primeiro evento de uma série de homenagens que serão feitas a Cortázar em 2014, no centenário de seu nascimento (26 de agosto de 1914) e, também, trigésimo aniversário de sua morte (12 de fevereiro de 1984).
A celebração começou com uma exposição sobre as primeiras cinco décadas de existência de O Jogo da Amarelinha, no canal de tevê estatal, localizado no bairro portenho de Palermo. Segundo a diretora da Casa do Bicentenário, uma das instituições envolvidas no projeto, Liliana Piñeyro, a mostra "é apenas uma pincelada na vida de Cortázar". Também participam das iniciativas em torno do centenário a Secretaria de Cultura do governo Cristina Kirchner, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu do Livro e da Língua e a TV Pública.
"Decidimos fazer uma apresentação do que será o centenário de Cortázar, que incluirá diferentes atividades em Buenos Aires e também na cidade de Chivilcoy [província de Buenos Aires], onde o escritor trabalhou como professor antes de rumar para a França, na década de 50", conta Liliana.
Na mostra recentemente inaugurada, os amantes do escritor podem ver as fotografias de Sara Facio (sua amiga pessoal e autora de seus melhores retratos), 30 primeiras edições de seus livros, todas as edições de O Jogo de Amarelinha e, também, ouvir áudios do escritor lendo sua obra mais famosa.
"Sua voz era tão particular como seu aspecto físico. A ideia é que os visitantes possam ler e ouvir Cortázar", diz a diretora da Casa do Bicentenário.
Também foi destacada uma história em quadrinhos, descoberta há nove anos, "A Raiz do Ombu", que Cortázar fez em parceria com o artista plástico Alberto Cedron, falecido em março de 2007. "Esse trabalho é muito interessante. Cortázar e Cedron conversavam por telefone e cada um fazia a sua parte. Somente no final se encontraram para unir o material", lembra Liliana.
Construção
A editora Alfaguara lançou, mês passado, uma edição especial e limitada de O Jogo da Amarelinha, com uma breve explicação de Cortázar sobre o processo de elaboração da novela que, para muitos críticos e colegas, revolucionou a literatura latino-americana. Na visão do argentino Ricardo Piglia, "com o passar do tempo, o que mais perdurou foi sua estrutura de collage, de uma obra quase conceitual". Já o peruano Mario Vargas Llosa afirma que "nenhum outro escritor deu ao jogo a dignidade literária que deu Cortázar, nem fez do jogo um instrumento de criação e exploração artística tão proveitoso. A obra de Cortázar abriu portas inéditas".
O escritor contou, em entrevista publicada pela imprensa argentina e lembrada este ano pelo jornal Clarín, como foi a construção de O Jogo de Amarelinha: "Somente quando tive todos os papéis em cima de uma mesa, toda essa enorme quantidade de capítulos e fragmentos, senti a necessidade de ter uma ordem relativa. Mas essa ordem nunca esteve em mim antes ou durante a execução de O Jogo da Amarelinha. Escrevia longos trechos, sem ter a menor ideia de onde iriam parar e a que respondiam".
A primeira edição do livro, de quatro mil exemplares, esgotou-se no primeiro ano. O editor foi Paco Porrúa, que era amigo de Cortázar. Após a morte do escritor, foram conhecidas cartas enviadas por ele a Porrúa, nas quais fala sobre O Jogo da Amarelinha: "O resultado será uma espécie de almanaque, não encontro melhor palavra. Uma narração feita de múltiplos ângulos, com uma linguagem às vezes tão brutal que eu mesmo sinto rejeição pela releitura e duvido que me atreva a mostrá-lo a alguém. Outras vezes, tão puro, tão pouco literário".
Biógrafos de Cortázar como Emilio Fernández Chico, autor de El Secreto de Cortázar (O Segredo de Cortázar, editora Universidad de Belgrano), abordaram a insegurança do escritor, que chegou a queimar a novela Soliloquio, na qual contava a história real de seu amor platônico por uma aluna, chamada Coca. Fernández Chico relevou, ainda, que ele se negou a publicar muitos textos, sobretudo anteriores à década de 1940, quando ainda era um desconhecido em seu país.
No Natal de 2006, Aurora Benítez, viúva de Cortázar (ela foi sua primeira esposa, mas esteve ao seu lado até o final e foi escolhida sua herdeira) decidiu compartilhar com o editor argentino Carlos Álvarez Garriga obras inéditas do escritor, que terminaram se transformando no livro Papéis Inesperados. Para Fernández Chico e outros especialistas em Cortázar, não está e nunca ficará claro se o lançamento teria sido aprovado pelo escritor, cujos restos descansam no cemitério de Montparnasse, junto aos de sua terceira mulher, Carol Dunlop.