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Millôr Fernandes garantia em 1969: se O Pasquim fosse mesmo independente, como queriam seus fundadores, não duraria três meses. Se durasse, não era independente. Para embasar sua opinião, mandada por carta ao amigo Jaguar, citava uma dúzia de casos de jornais que haviam tentado trilhar o mesmo caminho em décadas anteriores. E lembrava o fim rápido de cada um deles, causado pelo governo, pela censura ou pela própria incompetência de seus administradores. Terminava a carta dizendo que não queria desanimar ninguém e desejando boa sorte.

O fato é que Millôr parece ter errado – e de longe. O Pasquim durou bem mais do que três meses. Foram 22 anos de história, com 1.072 números publicados. E durante todo esse tempo, se manteve independente. Às vezes, mais relevante; outras vezes, menos. Mas sempre independente. O sucesso da empreitada é até hoje um mistério, já que não há casos semelhantes na imprensa brasileira nem antes, nem depois. Por incrível que pareça, há possibilidades de que justamente o momento político extremamente desfavorável em que o semanário foi criado, pouco depois da AI-5, em 1969, tenha ajudado. A população tinha necessidade de uma válvula de escape pelo humor, pela molecagem, pelo comentário irônico. E O Pasquim fez esse papel como ninguém mais durante os anos de chumbo de nosso militarismo.

Para os criadores do projeto, mais do que isso, foi a excelência do jornal que o manteve importante e que o transformou em parte da história da imprensa no Brasil. "Desafio alguém a pegar a coleção de qualquer outra publicação brasileira e encontrar a mesma qualidade de material que nós tínhamos", afirma o jornalista Sérgio Augusto, uma das assinaturas mais importantes do jornal. E a lista de colaboradores – fixos ou não – realmente impressiona. Do próprio Millôr a Sérgio Cabral, de Paulo Francis a Henfil, de Ziraldo a Ivan Lessa. Passando por Vinícius de Moraes, Chico Buarque – que era uma espécie de correspondente do jornal na Itália – e muitos mais.

Aliás, a auto-estima do grupo que fazia o jornal atinge níveis impressionantes. "Foi o maior fenômeno editorial da imprensa brasileira", diz o prefácio de Sérgio Augusto. Jaguar escreve o seu prefácio dizendo que conta a história do jornal para "pesquisadores, historiadores, editores, professores e estudantes de comunicação, repórteres de segundos cadernos, autores de teses de mestrado e doutorado, entrevistadores da imprensa escrita, falada e televisada". E o tom vai daí para mais.

Sérgio Augusto, que fazia as vezes do comentarista de cinema e artes, diz que hoje seria impossível reeditar algo do gênero. "É como diz a Danuza Leão: hoje não teríamos nem quem entrevistar", afirma o jornalista. Exageros à parte, é fato que não surgiu um órgão de imprensa alternativa do mesmo peso até hoje. Mesmo as duas tentativas de substituir o semanário, a revista Bundas e o Pasquim 2000, ambos capitaneados por Ziraldo, não obtiveram o mesmo sucesso.

Na coletânea lançada pela Desiderata pode-se tentar alguma explicação para o sucesso único do hebdô – abreviação de hebdomadário usada pelos pasquineiros. Além do senso de humor e da seleção criteriosa dos colaboradores, havia a união de boa parte dos leitores e dos jornalistas por um objetivo comum. Todos queriam sacanear o regime militar. E isso talvez seja a explicação principal. Como lembra aquele ditado, sempre que duas pessoas de esquerda se unem, surge logo uma dissidência. Na época, movidos unicamente pelas circunstâncias, quem era contra a direita precisou se unir. E o espaço para essa união acabou sendo O Pasquim.

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