Uma das poucas revelações realmente interessantes da música brasileira nos últimos anos, o grupo carioca Los Hermanos lança seu quarto CD de estúdio, intitulado simplesmente 4 (Sony & BMG). Como acontece desde a gravação de Bloco do Eu Sozinho – elogiado disco de 2001, que marcou o início de uma nova fase para a banda, de total independência artística –, o quarteto formado por Marcelo Camelo (voz, guitarra e baixo), Rodrigo Amarante (voz, guitarra e baixo), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria) se reuniu em um sítio da região serrana carioca para compor e elaborar as músicas do novo registro.

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O processo de construção do trabalho foi um pouco alterado dessa vez, como confirma Amarante em entrevista ao Caderno G. Principal compositor da banda ao lado de Camelo, o músico comentou algumas características do disco e falou sobre a expectativa de tocar no Teatro Guaíra, local confirmado da apresentação do Los Hermanos em Curitiba, no próximo dia 25.

Caderno G – No texto de apresentação do CD, Bruno fala que vocês deixaram o sítio antes de terminar o disco, deixando lacunas que seriam preenchidas no estúdio. Explique melhor esse processo. Já estava previsto antes? Como funcionou na prática?Rodrigo Amarante – Foi algo que aconteceu diferente das outras vezes (que gravaram no sítio). Talvez por ansiedade, eu fui a parte que ficava vendo mais essas coisas. Num determinado momento no sítio, a gente teve vontade de deixar espaços abertos mesmo, no sentido literal, nos arranjos da música. Por exemplo, partes instrumentais sem melodia ou um tempo coberto, coisas que sentíamos que precisavam ter algo mais. A intenção era gravar e ouvir o som, distanciando-se, sentir as texturas, porque uma coisa é gravar, a outra é tocar. O som muda. Às vezes, uma coisa que acontece tocando não acontece na gravação da mesma forma. Então, quisemos deixar o tempo ajustar as coisas. E foi muito saudável, pois alguns espaços continuam. Esse tempo de pensar sobre o espaço tinha um lance prazeroso, que era o de imaginar as coisas e de tentar lidar com aquele silêncio. E parte desse silêncio acabou ficando no disco inteiro. Esse espaço é muito bom, é o campo da imaginação, o espelho que reflete o olhar e isso é a coisa mais importante que deve haver em qualquer obra.

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Partiram de algum tipo de conceito para realizar o disco? O que pretendem passar musicalmente com esse novo trabalho?Não tem como explicar, porque quando a gente faz um disco, pelo menos como tem sido até agora, não parte de um conceito. Não criamos um conceito antes de criar a música. A gente se junta e toca, começa a ouvir as músicas, a escolher e pensar quais são as mais legais, decide coisas musicais. Aí começa um diálogo, mesmo que menos verbal, de propostas. Se toco alguma coisa que imagino para uma música, estou propondo um universo. O outro dialoga com isso respondendo com o que ele cria. E dessa conversa se cria alguma coisa musical. Observando o que está acontecendo, começamos a verbalizar, a explicar. Não existe um pudor de dispensar a combinação verbal para tocar a música, mas o ponto de partida sendo musical, as coisas acabam em conversa. O conceito, se existe, é uma conseqüência. É claro que não vou dá-lo, pois se eu legendar vou restringir. Acho que já tem bastante legenda, as letras, um monte de coisas.

As músicas desse CD são mais introspectivas. Isso reflete o momento que você e o Camelo (compositores do grupo) estão passando?Essa pergunta fica difícil de ser respondida porque na verdade não tenho nada para dizer sobre o disco. O que eu tenho para dizer é ele próprio.

A participação dos metais é menor nesse trabalho? Estão fechando um ciclo, pois em todos os trabalhos anteriores havia uma presença forte dos metais?É uma conseqüência do lance do silêncio. Deixamos espaços que poderiam ser preenchidos, por exemplo, por um naipe. E, mesmo que estivéssemos imaginando um naipe, depois poderíamos chegar à conclusão que um vibrafone ficaria mais legal. O trabalho é uma conseqüência desse tipo de coisa, de não se apressar nessas decisões, de ter a oportunidade de poder se distanciar no ato de gravar para poder construir o arranjo. Gostei de fazer dessa forma.

Vocês estão mais próximos da MPB?Nas composições? Não sei, sempre gostei de música em geral, sempre ouvi música brasileira desde pequeno, ainda ouço. Não sei se meu gosto musical mudou muito. Gosto de tudo, ouço de tudo. Se a coisa que faço da minha vida é fazer música, não poderia deixar de ser muito interessado em música, de amar música. E uma pessoa que ama alguma coisa, recebe alguma coisa daquilo.

Nos shows, percebe-se que o Los Hermanos se transformou numa espécie de culto para os fãs. Como vêem isso?A gente fica espantado como todo mundo. Acha incrível e poderoso. Mas temos a tranqüilidade de saber que a gente é a gente mesmo. Porque tem muito deslumbre por parte das pessoas e dos jornalistas, às vezes, de querer criar um ícone, porque isso é interessante editorialmente, e tudo o mais. É muito bom trabalhar com os amigos, porque o amigo é aquele cara que se você fizer uma coisa que ele achar que não foi boa ele vai falar. Então isso é muito saudável porque somos amigos na banda, conversamos e aprendemos muito, e aí a gente não se deslumbra, não se pauta por isso. Só se sente pressionado com isso quem quer. A gente vai fazendo nosso trabalho.

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O show de Curitiba será no Teatro Guaíra. Já tiveram a experiência de tocar nesse tipo de espaço, qual a expectativa em relação à apresentação?A gente já fez alguns shows em teatros, a maioria aí mesmo no Sul. E foi muito legal porque é um show diferente. O fato de as pessoas estarem sentadas deixa a gente com uma liberdade maior no repertório, deixa espaços. O único inconveniente é que esse tipo de espaço às vezes encarece o show. Mas é muito legal, diferente, outro tipo de show. É muito saudável. O teatro tem várias coisas que são boas, o som e o tempo, parece que as coisas ficam menos urgentes, fica todo mundo sentado.

Você foi o responsável pelo projeto gráfico do disco. Trabalhava anteriormente com pintura?Sempre gostei de pintar. Mas, depois que comecei a tocar e viajar, não me dediquei muito a isso. Mas me divirto muito pintando, fiz algumas gravuras, sempre gostei das artes plásticas. Meus colegas já viram várias das minhas gravuras e acham legal. Eu sempre participei ativamente dos nossos projetos gráficos, mas nunca havia assinado, nunca havia tido autonomia de fazer eu mesmo. Dessa vez, eles me pediram para fazer. Fiquei muito feliz.