Única representante do Paraná entre os 159 artistas brasileiros e estrangeiros da 29.ª Bienal de São Paulo, a fotógrafa Juliana Stein ainda está sob o impacto de ver sua série "Sim e Não", formada por 11 retratos, ao lado de obras de figuras como o carioca Hélio Oiticica (1937-1980) e a alemã Isa Genzken.
No ano passado, ela apresentou seus trabalhos a um dos curadores da mostra, Agnaldo Farias, que esteve em Curitiba para ministrar uma palestra, sem imaginar que ele lhe telefonaria tempos depois, convidando-a a figurar na seleção de artistas. "Cheguei em casa e vi cinco ligações dele. Foi um choque", lembra. Cética no início, Juliana agora rasga elogios à forma nada impositiva como a curadoria tratou suas criações. "A arquiteta Marta Bogéa estava a par das características da minha obra e a organizou com precisão no espaço expositivo", diz.
As imagens de "Sim e Não" atraem a atenção de quem percorre a Bienal não pelo fato de se tratarem de travestis, mas pela maneira como os retratados se impõem ao público pela força do olhar. "O que está em jogo nas imagens não são os papéis sexuais, mas sim a questão da identidade, seja das pessoas retratadas, seja a minha, a sua", explica Juliana. Suas criações surgem de questionamentos pessoais sobre o seu próprio lugar no mundo e a capacidade da fotografia de lidar com o real e o ficcional. "Meu trabalho faz essa costura entre ficção e realidade, entre o eu e o outro", diz.
A presença plena das retratadas era um dos objetivos de Juliana quando decidiu fotografar travestis nas ruas de Curitiba. "São pessoas abertas à sua própria originalidade, à experiência." Ela começou a clicar com uma câmera pequena, 35 milímetros, mas logo percebeu que só seria capaz de apreender a presença real daquelas pessoas na fotografia com uma câmera analógica de médio formato, bem mais pesada e que demanda um tempo mais "lento". "É um aparato que exige que a pessoa se coloque à disposição, arque com o fato de estar ali", diz.
A experiência, iniciada há quatro anos, colocou Juliana à beira do precipício. "Às vezes, a presença de uma pessoa era tão forte que eu não conseguia acha a máquina a tempo", conta. Perdia o clique, não punha filme na câmera, e acabava sem a foto o que faz com que a série fotográfica seja formada também de ausências. Mas é justamente a possibilidade do erro, de trocar os pés pelas mãos, que a estimula. "É o risco que deixa o trabalho vivo, o momento em que você pega o cavalo bandido", diz, usando uma metáfora que a remete às origens gaúchas.
Trajetória
Natural de Passo Fundo, mas radicada aqui há 20 anos, Juliana faz questão de enfatizar que Curitiba está sempre presente em sua arte. Em "Sim e Não", aparecem ao fundo prédios, carros e transeuntes. "A pessoa está ali retratada, mas, também, nós mesmos e a cidade", observa, lembrando que muita gente não acreditava quando ela dizia que as fotos foram feitas em Curitiba.
Viver de arte era algo inimaginável para Juliana. Ela passou a infância no interior, em um pedaço de terra onde o pai, ex-padre, construiu uma casa, uma piscina e uma igreja. "Mas um padre nunca deixa de ser padre", diz, pensando sobre a influência que recebeu dele, um estudioso de filosofia que tinha necessidade de se retirar frequentemente para a reflexão algo que a artista considera imprescindível para a criação. "Meu trabalho tem a ver com a construção de mim mesma."
Talvez, por isso, seu primeiro passo tenha sido cursar Psicologia na Universidade Federal do Paraná. Sem nunca exercer a profissão, conta que o curso lhe ensinou a pensar. Algo que sempre teve mais facilidade recorrendo a imagens do que a palavras. A consciência sobre isso a levou a desejar mudar de rumo: juntou dinheiro por quatro anos e foi para a Itália estudar história da arte, desenho e aquarela.
Na volta ao Brasil, escolheu a câmera fotográfica como ferramenta de expressão. Ao final de dois anos de cliques, em 2000, foi convidada pelo fotógrafo Orlando Azevedo a participar da 3.ª Bienal de Fotografia Cidade de Curitiba. "Ali conheci muita gente e comecei a organizar meu trabalho", conta.
Dez anos se passaram. Juliana já expôs em espaços prestigiados como o Itaú Cultural, em São Paulo; a Bienal Vento Sul, em Curitiba; e a Bienal de Quebec, no Canadá.
Suas obras viajam; ela, muito pouco. "Ando muito em círculos, não produzo com facilidade, então, procuro me concentrar inteiramente na prática do trabalho", diz. Mas um convite da Bienal de São Paulo para passar uma semana na capital paulista a fez rever seus conceitos. Um dia, mergulhada na agitação da mostra, olhou para o relógio: 18 horas. "Quando olhei de novo já era 1 hora da manhã! Foi alucinante."
Entre as fotografias que povoam seu estúdio estão algumas pinturas produzidas depois que ela perdeu vários rolos de filme na hora da revelação. "Achei que era um sinal e abandonei a fotografia." O episódio, já superado, exemplifica a crise permanente vivida pela artista. "Jogo muita coisa fora, isso é muito difícil. Mas trabalhar com fotografia é aprender a perder, aprender se perdendo", diz.
Serviço:
29ª Bienal de São Paulo, no Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3), (11) 5576-7600. Entrada gratuita. De segunda a quarta-feira, das 9 às 19 horas; quinta e sexta-feira, das 9 às 22 horas; sábado e domingo, das 9 às 19 horas (entrada até uma hora antes do fechamento do pavilhão). Até 12 de dezembro. Mais informações no site www.29bienal.org.br.
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