King Kong, clássico do cinema fantástico, dirigido em 1933 por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, não era um filme politicamente correto. Possivelmente porque, em plena Depressão, tal conceito não apenas inexistia, mas era um cuidado ao qual Hollywood não podia se dar ao luxo. Se, por um lado, os assombrosos efeitos especiais permitiram extravagâncias como a escalada do enorme gorila ao topo do Empire State Building, símbolo máximo do capitalismo derrocado pelo crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929), o filme deixava a desejar em termos de conteúdo. Diálogos canhestros, atuações nada sutis, personagens unidimensionais e um subtexto marcadamente racista hoje saltam aos olhos do espectador contemporâneo.
Tendo em vista a ambigüidade de um filme ao mesmo tempo influente, mas repleto de limitações dramáticas, o neozelandês Peter Jackson, consagrado pela trilogia O Senhor do Anéis, resolveu enfrentar o desafio de refilmar a história do macaco que se apaixona por uma jovem atriz e é capaz de pagar com a própria vida o preço desse amor entre desiguais. Porém, no meio desse caminho, o cineasta tinha uma pedra a desviar: a embaraçosa versão de 1976, dirigida por John Guillermin e produzida por Dino di Laurentis. A produção, que teve como maior mérito revelar o talento da então modelo Jessica Lange, ganhadora de dois Oscars, pouco fez no sentido de aprimorar o original de 1933, a não ser substituir o Empire State pelas torres gêmeas do World Trade Center, destruídas pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Tudo leva a crer que a segunda refilmagem de King Kong, cuja estréia mundial está prevista para a próxima sexta-feira, dia 16, tenha conseguido justificar sua realização, acrescentando elementos que fazem da superprodução assinada por Peter Jackson algo mais do que uma nova velha história.
Ao contrário da versão de Guillermin, que transportou o enredo para os anos 70, com direito a toques explícitos de erotismo King Kong chega a bolinar os seios de Jessica Lange , o novo filme se passa nos anos 30, a exemplo do primeiro longa-metragem.
Jackson não se faz de rogado e corre o risco de estender a trama por inacreditáveis três horas (leia quadro abaixo), fazendo de seu King Kong uma espécie de Titanic do mundo dos símios. E as semelhanças com o blockbuster de Cameron não se restringem à duração. O roteiro, assinado por Fran Walsh, Philippa Boyens e Jackson, o mesmo time premiado de O Senhor dos Anéis, também constrói a história em torno da protagonista feminina. A personagem, já vivida por Fay Wray e Jessica Lange, é uma atriz desempregada que, por uma ironia do destino, embarca numa canoa furada e vai parar numa ilha perdida, habitat natural do gorila que dá título ao filme. Lá, descobre que seu Romeu pode ser bem mais velho, truculento e peludo.
Na tentativa de conferir à heroína uma complexidade ausente nas versões anteriores, Jackson escolheu para encarná-la a talentosa australiana Naomi Watts, revelada por Cidade dos Sonhos (de David Lynch) e indicada ao Oscar graças a sua ótima atuação em 21 Gramas.
Segundo críticos norte-americanos, o desempenho de Watts em King Kong é "emocionante", "dotado de inteligência e sensibilidade notáveis", ao ponto de muitos jornalistas estarem apostando em uma possível indicação ao Oscar de melhor atriz. Será uma surpresa, levando-se em conta que não se trata de uma produção cujo principal atrativo seja a atuação do elenco, que também conta com Adrian Brody (vencedor do Oscar por O Pianista), o comediante Jack Black (de Escola do Rock) e Jamie Bell, o ator mirim de Billy Elliot e protagonista de Querida Wendy, novo filme do sueco Thomas Vinterberg.
A julgar pelos comentários da imprensa especializada, King Kong deve ser a grande bilheteria deste final de ano no mundo, superando, inclusive, Harry Potter e o Cálice de Fogo, que já ultrapassou a marca de US$ 560 milhões em todo o mundo. Se vai repetir nos Oscar o feito de O Senhor dos Anéis, é esperar para ver.