O figurino de Macbeth mescla bermudas com jaquetas de couro| Foto: João Caldas/Divulgação

A coreografia milimétrica do Macbeth, de Shakespeare, que Gabriel Villela apresentou neste fim de semana, no Teatro Bom Jesus, confere ao espetáculo o título de peça bem feita – num bom sentido, não como no século 19, quando era supervalorizada a técnica.

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Como é bom observar o trabalho duro de alguém que partiu de um conceito e imprimiu sua marca a um dos textos mais relevantes da história da dramaturgia mundial.

Villela está no palco desde o cenário, no qual um totem de teares é ladeado por bombonas de água azul claras, logo atrás de uma fileira de cadeiras que lembram um auditório de universidade federal.

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Os figurinos também não ignoram seu criador, que, ao lado do artista potiguar Shicó do Mamulengo, mesclou bermudas de sarja com jaquetas de couro, deu ao protagonista casaco com capuz e a sua lady túnicas sedosas com coroa feita de coleira.

A mescla de elementos novos e antigos, como uma lamparina ao lado de antenas, confere a estética de Villela a mais um shakespeare. A escada sobre a qual Macbeth se empoleira remete ao seu Romeu e Julieta, que hoje, 20 anos após a estreia excursiona com o Grupo Galpão.

A escolha por um narrador, que, como no prólogo de Henrique V, solicita da plateia que imagine, eficazmente transporta a peça do terreno da interpretação para algo diferente, que tem a ver com o distanciamento proposto por Bertolt Brecht, mas talvez também com o próprio teatro elisabetano. No lugar das interações vociferantes entre atores, vemos quase que uma marcação do espetáculo, como se o ator entrasse em cena e pensasse "eu fico aqui e digo: tal e tal".

O texto entregue quase que sem roupagem alguma é capaz de confundir o espectador. Esse ator está imitando um locutor? Não encarnou o personagem?

Percebe-se que foi um trabalho de retirar emoção mais do que de buscá-la, especialmente para com a dupla de atores que vive o casal protagonista, Marcello Antony e Claudio Fontana – só há homens no palco, como nos tempos da rainha Elisabete.

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Sobrenatural

Numa adaptação de Macbeth, busca-se a surpresa: como serão resolvidas as cenas com bruxas, fantasma, aparição de objetos em pleno ar e árvores que se movem?

As três irmãs viram fiandeiras e influenciadoras do destino e da vontade humana, chacoalhando a escalada trágica com humor debochado. O acúmulo de papéis entre os atores acelera o ritmo da montagem. Interpretadas por José Rosa, Marco Furlan e Rogério Brito, as bruxas se transformam de seres sobrenaturais em mensageiros num piscar de olhos, por vezes modificando um adereço, outras, apenas o traquejo corporal. É uma homenagem ao teatro.

É chocante – para muitos, um alívio – ver a tragédia se passar em meros 90 minutos, e inevitável imaginar que houve redução de trechos importantes. Mas a tradução de Marcos Daud objetiva a plena compreensão. Onde Bárbara Heliodora colocou um "gato pescador", ele traz "você está parecendo o gato do provérbio, que queria o peixe sem molhar as patas".

O momento em que o espectador sente um "pulo na fita" é na passagem do Macbeth hesitante para o carniceiro, após o assassinato do rei. Falta angústia – mas, com ela, o espectador se aproximaria demais para uma obra que rejeita a ilusão do palco.

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