Diálogos
Confira alguns dos elementos reunidos por Eliete Negreiros e Arrigo Barnabé em Outros Sons:
Modernismo
A mistura entre a música popular tradicional e a vanguarda é inspirada pelas ideias antropofágicas de Oswald de Andrade, de acordo com Eliete.
Música popular tradicional
"Pipoca Moderna", tema da Banda Pífanos de Caruaru com letra de Caetano Veloso, é uma das referências à cultura brasileira de raiz que aparece desconstruída pelas ideias experimentais de Arrigo e Eliete.
Atonalismo
"Peiote" cita uma recriação de Augusto de Campos para uma das canções de Pierrot Lunaire, de Arnold Schoenberg, (1874-1951), a obra mais conhecida da fase atonal do compositor austríaco sonoridade até hoje muito incomum na canção popular.
Vinhetas
O formato não era utilizado em discos brasileiros até Outros Sons, conforme explica Arrigo Barnabé. "Depois disso, a Tetê Espíndola, por exemplo, quando fez Escrito nas Estrelas (1985), fez um LP cheio delas", conta.
Disco
Outros Sons
Eliete Negreiros. Kuarup Música. R$ 21,90. MPB.
Depois de mais de 30 anos, foi preciso uma gravadora independente, reerguida depois de uma falência em plena era do declínio do CD, para que um disco chave de um dos movimentos mais importantes da música brasileira fosse reeditado. Trata-se de Outros Sons, primeiro álbum da cantora da Vanguarda Paulista Eliete Negreiros, que acaba de voltar às prateleiras pela renascida Kuarup.
Produzido e dirigido por Arrigo Barnabé, o ousado trabalho não foi sucesso de público, mas teve reconhecimento de crítica quando saiu, em 1982, chegando a ser comparado ao álbum-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis (1968) conforme escreve o jornalista e crítico musical Carlos Calado no texto de apresentação da reedição.
Com canções e vinhetas de Arrigo e contemporâneos, além de clássicos da canção nacional e norte-americana, o disco combinou a proximidade de Eliete com a música popular brasileira tradicional a elementos como o atonalismo, já incorporado por seu produtor no cultuado Clara Crocodilo (1980).
"Foi Arrigo quem despertou em mim o interesse pela música contemporânea. E ele era apaixonado pelo Orlando Silva. Tudo se encontrava", conta Eliete, em entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo. "Eu sempre fui e ainda sou muito ligada à música popular brasileira, nossos grandes e maravilhosos clássicos. Quando conheci o Arrigo, comecei a cantar as músicas dele. Tudo se completava. Quando fomos fazer o disco, ele teve a ideia genial de usar como base a música Pipoca Moderna, onde Caetano colocou uma letra concretista numa música do folclore nordestino. Ali estava a síntese do que estávamos fazendo e pensando. Arrigo deu forma a isto. Eureka!", conta.
Além da releitura que valoriza as sílabas onomatopeicas dos estouros da pipoca da letra de Caetano sobre o tema instrumental da Banda de Pífanos de Caruaru, o álbum inclui canções como "Outros Sons" música composta por Arrigo em 1974, com nova letra de Carlos Rennó, que faz citações à Sagração da Primavera, de Stravinski, utilizando experimentos de linguagem inspirados pelo Finnegans Wake, de Joyce; "Peiote", de Paulo Barnabé, que leva o texto de Augusto de Campos criado sobre a versão alemã de Otto Erich Hartleben da canção n.º 8 ("Noite") do Pierrot Lunaire, de Arnold Schoenberg; e canções de forma mais tradicional, como "Sonora Garoa", que traz uma temática urbana em uma sonoridade e linguagem de música rural de Passoca.
"No Clara Crocodilo não tinha o diálogo [da música clássica contemporânea] com a tradição. E aí tem", conta Arrigo, em entrevista por telefone para a reportagem. "Misturar Stravinski e Schoenberg com Orlando Silva e a com a viola caipira do Passoca dá esse caráter de coisa nova, quase um manifesto. Acho que é o primeiro disco eclético [da música brasileira]", analisa o músico.
De acordo com Eliete, para quem o disco soa hoje "espantosamente novo", o álbum cumpriu seu papel, foi entendido e influenciou, mas ficou muito tempo fora de catálogo e ainda não chegou às novas gerações. "[Ele] ainda tem muito a cumprir", comemora.
Ópera de Arrigo será realizada em SP em 2015
O músico londrinense radicado em São Paulo Arrigo Barnabé voltou a compor música popular em 2009, depois de passar cerca de 13 anos dedicado somente à música erudita. Entre seus projetos mais recentes está Caixa de Ódio, em que canta composições de Lupicínio Rodrigues (com uma edição já lançada em DVD), um trabalho em parceria com Luiz Tatit e um show chamado Neuróticas Histéricas, para o qual reuniu jovens cantoras para interpretar obras do compositor Hermelino Neder.
Seu trabalho mais conhecido, Clara Crocodilo, também está ativo por meio do grupo Claras e Crocodilos, que reúne estas mesmas intérpretes com instrumentistas como Mário Manga e Paulo Braga.
A surpresa, para Arrigo, fica por conta da escolha da ópera O Homem dos Crocodilos para a temporada de óperas do Teatro São Pedro, em São Paulo, em novembro de 2015. "Isso me deixou animado, porque a escrevi em 2001, com um libreto do dramaturgo Alberto Munhoz. Havíamos feito dez récitas naquele ano. Fomos para um festival de teatro em Buenos Aires, e nada além disso. Agora, 12 anos depois, vamos voltar a fazer", comemora.
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