Opinião - Luciana Romagnolli, repórter da Gazeta do Povo
Libidinosa, pagã e poderosa
A mulher que Andreia Dias representa no disco Vol. 2 acorda mais velha do que de costume, com o limite estourado e sem vontade de chutar o balde ("Pó da Rabiola"). Deixou o mau-humor destruir sua autoestima ("Erva Daninha"). Quer "muito amor, bastante sexo" ("Nós Dois"). Contra o histórico de perseguições religiosas, se assume libidinosa e pagã ("Mulher").
Raro ver uma compositora tão dona de si, nos acertos e erros. Essa postura segura transborda também das melodias e arranjos, e mais ainda da interpretação. Seus vocais lembram cantoras de cabaré e espetáculos teatrais (que o diga "Astro Rei", com os gritos de louvor de Arrigo Barnabé). Ao mesmo tempo, trazem o frescor próprio das gravações desligadas de preciosismos técnicos, em favor da emoção e do humor do momento. "Os Porcos Estão no Poder" é exemplo de irreverência, e soa como uma Rita Lee dos tempos áureos. Num conjunto diversificado, sobressai o rock sujo, mais pesado do que no Vol. 1, e tributário da música brega e seu sentimentalismo, mais consciente e debochado. Cada canção é um pequeno universo complexo que se basta, dispensa o refrão e guarda uma boa sacada. GGGG
Para começar - Sugestão para entrar no universo de Vol. 2, de Andreia Dias
Ouça:
"Jóia Rara": Andreia principia meiga, derramando seu amor e um pouco de desejo. No meio, recita versos até, ao fim, acelerar o ritmo descambando para a caricatura de um casal e as reclamações típicas. Divertida.
Trecho:
"Minha razão de viver/ Tente entender que eu nasci para você/ Não adianta correr/ Eu vou te devorar".
Tentar traçar um caminho coerente para explicar a trajetória da paulista Andreia Dias é projeto complicado. Ela trocou os barzinhos, onde tocava violão e cantava em grandes bandas, para lançar seu primeiro disco solo aos 34 anos. No meio da história, parou para morar numa ilha com o "príncipe encantado", passou fome e medo no Rio de Janeiro e tempos viajando de carona.
Influências musicais, então? Partem do rock e do brega, desviam para o erudito e miram o samba, sem cerimônia. Com tanta propensão a provar e mudar de rota, dá até para entender a liberdade com que Andreia cria suas músicas, mais uma vez, no recém-lançado CD Vol. 2 (Scubidu Records).
Nessa continuação do projeto-solo iniciado com Vol. 1 (2008), um som mais roqueiro ganha espaço entre canções românticas apimentadas. Mas, como não lhe falta senso de humor, sagacidade nem espírito "encapetado", as letras e melodias desandam (no melhor sentido) para onde a inspiração criativa apontar.
Andreia é cantora urbana, contemporânea, de amores e humores. Mais uma voz da nova geração? "Sempre dou risada quando ouço isso", desdenha, do alto de seus 19 anos de carreira. Antes do Vol. 1, lançado com mais repercussão de crítica do que de público (vendeu 3 mil cópias), já fazia das suas em duas bandas femininas.
Na DonaZica, ao lado de Iara Rennó e Mariá Portugal, ia das canções próprias a releituras de Ataulfo Alves e Itamar Assumpção. Já na Glória, cantava música de gafieira. Inventou ainda a banda brega Astronautas do Amor, fazendo covers "a sério" e emocionados de Aldair José e Diana. E a Los Goiales, de rock. "Mas essas bandas não têm acontecido, estão no acostamento", diz.
O ímpeto de se lançar em carreira solo veio só aos 34 anos, quando se sentiu mais segura no palco. "Por isso mesmo, já não tenho muita expectativa nem ansiedade", pondera. Focada agora em seu próprio disco, Andreia entende que, por mais autoral, seu trabalho solo "não é muito solo". Depende totalmente da banda tanto que os guitarristas Ricardo Prado e Luque Barros coproduziram com ela o CD.
O momento de maior mudança para Andreia veio depois daqueles cinco primeiros anos tocando violão na noite, quando se cansou. "Fiquei vendo a onda bater, pegando carona, viajando, muito louca." Aos 25, se mudou para o Rio de Janeiro, atrás de fama. Passou apertos e preferiu largar tudo para ir morar na Ilha das Couves, em Ubatuba. Foi lá que conheceu Iara Rennó e entendeu que deveria cantar porque era o que sabia fazer, sem esperar pela fama.
"Eu tinha na minha cabeça o que a mídia e a sociedade nos empurram goela adentro: o cantor como um ser especial que vai fazer sucesso e se apresentar no Faustão. Não tinha me ligado que eu tenho que cantar e abafar o ego", admite. "Era muito imatura e deslumbrada, achava que eu era mais do que era."
Mais madura, Andreia talvez nunca chegue a fazer o que se costuma chamar de sucesso cantar para grandes públicos ou emplacar música em novela. Vai saber. Por enquanto, basta seu Vol. 2 ser um trabalho criativo, que carrega a distinção de uma artista com personalidade. (LR)
Serviço:
Vol. 2, de Andreia Dias. Scubidu Records, preço médio: R$ 24,90.