Sarcasmo imortal
Nascido na Paraíba, no Engenho do Corredor, em 1901, José Lins do Rego testemunhou as transformações econômicas e sociais geradas pelo declínio dos engenhos de açúcar.
Já adolescente, mudou-se para João Pessoa, para estudar. O destino seguinte foi o Recife, onde cursou a faculdade de Direito, travou amizade com o sociólogo Gilberto Freyre e fundou o semanário Dom Casmurro. Mais tarde, tornou-se amigo de Graciliano Ramos, Raquel de Queirós, Aurélio Buarque e Jorge de Lima.
Casado com Filomena Masa desde 1924, o escritor atuou como promotor, fiscal de banco e de consumo.
O primeiro romance, Menino de Engenho, publicado quando ele tinha 31 anos, conquistou o prêmio da Fundação Graça Aranha.
A partir de 1935, Lins do Rego passou a viver no Rio de Janeiro, trabalhando como diplomata e colaborando com jornais.
A paixão pelo futebol o levou à diretoria do Clube de Regatas Flamengo e a chefiar a Delegação Brasileira de Futebol no Sul-Americano de 1953.
O ingresso na Academia Brasileira de Letras se deu em 1955 e teve como conseqüência a instituição da censura prévia nos discursos de posse. Explica-se: os imortais não aprovaram o sarcasmo com que Lins do Rego falou do ocupante anterior da sua cadeira, Ataulfo de Paiva.
Lins do Rego morreu em 12 de setembro, no Rio de Janeiro.
Obras
Menino de Engenho (1932) Doidinho (1933) Bangüê (1934) O Moleque Ricardo (1935) Usina (1936) Pureza (1937) Pedra Bonita (1938) Riacho Doce (1939) Água-mãe (1941) Fogo Morto (1943) Eurídice (1947) Cangaceiros (1953) Meus Verdes Anos (1953) Histórias da Velha Totonha (1936) Gordos e Magros (1942) Poesia e Vida (1945) Homens, Seres e Coisas (1952) A Casa e o Homem (1954) Presença do Nordeste na Literatura Brasileira (1957) O Vulcão e a Fonte (1958) Dias Idos e Vividos (1981)
José Lins do Rego foi cronista de um mundo rural em transição. Testemunha da modernização que substituiu os tradicionais engenhos de cana-de-açúcar por usinas, o escritor soube transformar em literatura o delicado momento em que a mão-de-obra humana começava a perder espaço para o maquinário.
Flertou também com a não-ficção, primeiro como colaborador do Jornal do Recife, onde conheceu Gilberto Freyre e suas idéias sobre a formação social do povo brasileiro, depois como fundador do semanário Dom Casmurro.
Uma seleção dessas suas crônicas jornalísticas foi reunida pela primeira vez em livro, para celebrar o cinqüentenário da morte do autor, completado este mês. A obra, Ligeiros Traços Escritos da Juventude, será publicada em outubro pela Editora José Olympio.
Morto em setembro de 1957, aos 56 anos, Lins do Rego conquistou a atenção e o respeito tanto da crítica quanto dos leitores.
Segundo Luís Bueno, doutor em Literatura Brasileira e professor da UFPR, o autor de Fogo Morto foi um dos escritores mais lidos nas décadas de 30 e 40, provavelmente atrás apenas do fenômeno de vendas Jorge Amado e de Érico Veríssimo.
"Seus livros tiveram seguidas edições. Além disso, a crítica reconhecia nele um dos grandes autores da época", comenta o professor. Tanto que em 1956 foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.
Se, no campo temático, o mérito desse paraibano foi ter registrado mudanças que ocorriam na sociedade brasileira a partir da Proclamação da República, em temos de linguagem sua contribuição foi a mistura da verve literária (de tradição pedante) à oralidade (informal).
"Não é exagero dizer que José Lins do Rego, juntamente com outros autores de sua geração, como Rachel de Queiroz, Marques Rebelo e Graciliano Ramos, criou a linguagem do moderno romance brasileiro", observa Bueno. "A naturalidade aparentemente fácil de sua linguagem teve uma influência enorme na literatura brasileira do século 20".
Ciclos
A crítica tradicional divide seus romances em fases as principais delas, o "ciclo da cana-de-açúcar" e o "ciclo do cangaço". O primeiro engloba livros mais conhecidos, como Menino de Engenho (seu primeiro romance, de 1932), Doidinho (1933), Usina (1936) e Fogo Morto (1936), considerado a obra-prima do autor. A decadência dos engenhos na Zona da Mata é o tema comum entre essas obras.
Já o ciclo do cangaço se refere aos livros ambientados no sertão nordestino: Pedra Bonita (1937) e Cangaceiros (1953). A classificação, porém, é alvo da crítica do professor, que a considera imprecisa e prejudicial à compreensão da obra, que fica "presa" a categorias superficiais.
"Por um lado, a divisão esconde a variedade das suas experiências e, por outro, apaga as ligações profundas que há entre obras de diferentes ciclos", opina.
A superioridade de Fogo Morto, entretanto, não é discutida. Enquanto grande parte das outras obras é centrada apenas na figura dos proprietários de engenho, o livro contrasta duas camadas sociais: um senhor de engenho (o decadente coronel Lula de Holanda) e um trabalhador rural (Mestre Amaro), o que o torna mais complexo e contundente.
A infância no Engenho do Corredor, na cidade de Pilar, na Paraíba, teve forte influência na obra de Lins do Rego, tanto pela ambientação como pelos aspectos autobiográficos perceptíveis em alguns dos seus romances. "Quem lê seu livro de memórias de infância, Verdes Anos, e seu primeiro romance, Menino de Engenho, notará uma série de semelhanças", aponta Bueno.
A inspiração biográfica, no entanto, não é uma regra. Riacho Doce (1939), por exemplo, conta a história de uma sueca de origem judaica (interpretada por Vera Fischer na minissérie adaptada para a Rede Globo), um universo mais apartado da experiência pessoal do escritor.
De sua personalidade, pouco é conhecido além da paixão pelo futebol. "O testemunho de alguns de seus amigos dá conta de um homem expansivo e com certa tendência à depressão", comenta Bueno.
Que se saiba, nenhum escritor até agora se interessou por contar a história da sua vida. Sua biografia ainda está para ser escrita.
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