Para discutir o papel da imprensa, Jorge Furtado encena O Mercado de Notícias, do dramaturgo Ben Jonson| Foto: Fabio Rebelo/Divulgação

Cinema

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O gaúcho Jorge Furtado (de O Homem Que Copiava) é um apaixonado por jornalismo. E seu cinema, desde quando foi revelado nos anos 1980 por seus incríveis curtas-metragens – como Ilha das Flores – dão sinais evidentes da força desse vínculo. Mesmo na ficção, o diálogo de sua obra com a realidade mediada pela imprensa sempre foi intenso (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo).

Em seu novo filme, O Mercado de Notícias, Furtado não tangenciou o assunto: vai direto ao tema jornalismo, mais precisamente o feito no Brasil. E como é um criador inquieto, sempre ousado na forma, o diretor foi puxar o fio dessa meada em uma peça teatral da Inglaterra elisabetana do século 17, assinada pelo dramaturgo Ben Jonson (1572-1637). O filme empresta seu título desse texto, cuja criação coincide historicamente com o surgimento dos primeiros jornais na Inglaterra.

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Na peça, Jonson já discute questões desafiadoras, que até hoje assombram a atividade jornalística. O que é um fato digno de ser tornar notícia? Não seria qualquer acontecimento passível de seleção, interpretação, análise e, muitas vezes, manipulação? Furtado não fornece respostas definitivas. Prefere a discussão.

O Mercado de Notícias debate a própria essência do ofício, ouvindo um time de 13 profissionais escolhidos a dedo entre os que mais admira: Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Geneton Moraes Neto, Janio de Freitas, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Mauricio Dias, Mino Carta, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira e Renata LoPrete.

Os depoimentos se intercalam, em um diálogo intertextual interessantíssimo, a cenas de uma montagem do texto de Jonson.

Os entrevistados discutem temas como a obrigação de escolher o que publicam ou não, o que cobrem ou não, a complexa relação com as fontes, a necessidade de surpreender o público, de revelar histórias. Mas também coloca em debate outro aspecto, não menos essencial: a sobrevivência econômica das empresas de comunicação em um momento de profundas transformações tecnológicas e dos hábitos de consumo de notícias.

Lançado em pleno período pré-eleitoral, O Mercado de Notícias ganha inegável pertinência, sobretudo quando indaga por que e se é legítimo a imprensa tantas vezes pautar o debate político.

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Os entrevistados lembram que, até o golpe de 1964, havia uma identificação evidente entre jornais e partidos. Depois, apesar de muitos veículos terem apoiado a ação dos militares em um primeiro momento, quase todos se uniram na resistência ao regime, sobretudo por conta da censura. A partir da redemocratização, em 1985, assumiriam, quase sem exceção, um tom mais conservador.

Argumentos

Algumas afirmações são contundentes. Jânio de Freitas, colunista político da Folha de S. Paulo, diz que "o jornalismo no Brasil é feito por empresas capitalistas interessadas no lucro, e não no futuro do jornalismo". Mino Carta, fundador da revista Veja e diretor da Carta Capital, dispara: "A mídia brasileira é um partido político, mas escondendo-se por trás de uma suposta isenção, ao mesmo tempo em que elege escândalos e personagens a quem crucifica impiedosamente e outros de quem oculta ou relativiza os pecados".

Entre esses pecados cometidos pela grande imprensa e dissecados pelo filme, estão o caso da Escola Base; o "quadro de Picasso", descoberto numa repartição do INSS, mas que não passava de uma reprodução barata. E Furtado não se esquece da "bolinha de papel" transformada em atentado a pedra contra o candidato José Serra em sua última campanha presidencial. Há, entretanto, a constatação de que o jornalismo, quando praticado de forma ética, e responsável, é peça fundamental no jogo democrático. GGGG