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Chinua Achebe: poucas descrições marcam seu livro de estreia | Jerry Bauer/Divulgação
Chinua Achebe: poucas descrições marcam seu livro de estreia| Foto: Jerry Bauer/Divulgação

"– O mundo é grande – acrescentou Okonkwo. – Já ouvi contar até mesmo que, em algumas nações, os filhos de um homem pertencem à sua mulher e à família dela./ (...)/ – Ou, então, como aquela dos homens brancos que, segundo se diz, seriam tão brancos quanto este pedaço de giz – disse Obierika. E mostrou, na mão erguida, um pedaço de giz, o giz que todo homem costuma ter em seu obi para que os convidados desenhem com ele linhas no chão antes de comerem nozes de cola. – Dizem ainda – acrescentou – que esses homens brancos não têm os dedos do pé."

Trecho de O Mundo Se Despedaça, de Chinua Achebe, traduzido por Vera Queiroz da Costa e Silva.

Ler O Mundo Se Despedaça, de Chinua Achebe, é uma experiência às vezes desconfortável, às vezes arrebatadora. O autor nigeriano que faz 79 anos no próximo dia 16 escreveu o seu livro de estreia quando ainda era um jovem de 20 e tantos anos. Redigiu à mão, em inglês, e enviou o texto para um escritório em Londres datilografar, com as despesas pagas. Eram os anos 1950.

Por pouco o texto não se perdeu. Graças à intervenção de um conhecido de Achebe, o manuscrito foi "desencavado" depois de passar meses ignorado num canto da empresa e, finalmente, passado a limpo. Aquela era a única cópia que havia e, se ela tivesse desaparecido, é muito provável que o escritor mais conhecido e lido da África jamais publicasse coisa alguma.

E foi com O Mundo Se Despedaça que Chinua Achebe (a pronúncia é algo próximo de "tchinua tchebei") ganhou o mundo. Publicado pela primeira vez em 1958, depois de ter sido rejeitado por inúmeras editoras, o romance virou referência sobre como vivia o povo ibo na Nigéria até o fim do século 19 e o impacto que a chegada do homem branco teve sobre a região. A obra é considerada também fundadora da literatura moderna nigeriana.

Uma tradução brasileira foi publicada pela Ática em 1983 e era disputada a tapa no circuito de sebos. A nova edição, da Companhia das Letras, tem uma introdução minuciosa do escritor e historiador Alberto da Costa e Silva.

"Os ibos têm sua pátria no sudeste da Nigéria, ao norte do delta do Níger e ao sul do Benué, numa larga faixa que vai do sudoeste do Níger até as águas do rio Cross. Seus vizinhos ao norte são os igalas e os idomas; a oeste, os binis; a leste, os ecóis e os efiques; ao sul, os ibíbios e os ijós. As tradições colocam a fonte da nação ibo na área de Nri-Awka e dizem que a principal rua de Nri é a rua dos deuses, e que por ela transitam, a caminho da terra dos espíritos, todos os que morrem em outras da Ibolândia", escreve Costa e Silva.

Além de dar referências geográficas e históricas, a apresentação prepara o leitor para uma série de expressões e nomes próprios típicos, como o do protagonista da história, Okonkwo.

Filho de um flautista que foi desprezado pela tribo por ser um fraco, Okonkwo teve garra e ambição suficientes para virar um dos homens mais influentes de seu povo, trabalhando na terra para sustentar a família, formada por várias mulheres e muitos filhos, todos morando em um mesmo terreno cercado, chamado de compound.

Cada capítulo parece retratar um dos costumes que orientavam a rotina dos ibos. Sabe-se, por exemplo, que era obrigação da esposa mais jovem preparar a refeição que Okonkwo comeria no fim do dia, ao voltar do trabalho. Chegando em casa, ele descobre que a mulher não está lá, não fez a comida e deixou os filhos com outra esposa, tudo pela vaidade de cuidar dos cabelos com uma mulher da tribo.

Cego de raiva, o homem vai atrás da mulher, a encontra e lhe dá uma surra inesquecível. O problema é que eles viviam a Semana da Paz, quando todos evitam a violência em nome dos deuses da bonança, responsáveis pela fertilidade da terra e pelo futuro das plantações.

Okonkwo desrespeitou a lei, atraindo má sorte para todos na aldeia, e precisa ser punido. Neste ponto, por mais que se saiba que cada povo tem seus costumes e que é preciso respeitá-los – ainda que seja difícil entendê-los –, a narrativa de Achebe se torna extremamente violenta, como se desafiasse o leitor a continuar. A punição de Okonkwo, determinada por figuras iminentes da aldeia, é o sacrifício de seu filho, Ikemefuna. Na verdade, o garoto não é filho de sangue, veio de outra tribo e foi adotado depois de perder a família num conflito entre povos. Mas Okonkwo acabou criando afeto por Ikemefuna.

Os parágrafos que descrevem a morte são terríveis. O jovem é levado para a floresta e ferido com golpes de facão de um velho da tribo destacado para o serviço. Mas ele demora para morrer e grita por socorro. É seu pai adotivo que dará os golpes fatais.

A morte de Ikemefuna transtorna Okonkwo, que passa dias e noites sem comer, bebendo vinho de palma – uma das regalias da tribo – e remoendo sua atitude. Ele era obrigado a acatar a sentença, mas não deveria ter se envolvido na execução (o que fez por ter medo que os outros o considerassem fraco).

O modo como Achebe escreve parece refletir a tradição oral do povo sobre o qual fala. Na descrição de Costa e Silva, os ibos amam a eloquência e têm o dom da palavra no mais alto conceito, além de jogar com palavras e adorar provérbios.

O Mundo Se Despedaça tem poucas descrições – o que torna o glossário ao final do volume ainda mais útil –, o enredo é ralo e mal consegue amarrar os acontecimentos de um capítulo aos do outro. Assim como as histórias narradas pelos pais aos filhos, Achebe sempre guarda uma lição atrás de cada fato. Seu protagonista perde a humanidade para virar uma ideia, ou um exemplo.

Okonkwo não é apenas um, mas sim um povo inteiro. Por mais que sofra as consequências de seus atos e viva um cotidiano que parece bárbaro aos olhos de um leitor de hoje, Achebe mostra o valor das tradições e o faz de maneira afetuosa.

Serviço

O Mundo Se Despedaça, de Chinua Achebe. Companhia das Letras, 240 págs., R$ 39,50.

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