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Walter Salles, Hector Babenco, Cláudio Assis, Karim Aïnouz, Ruy Guerra, Julio Bressane, Nelson Pereira dos Santos, Luiz Fernando Carvalho e Beto Brant têm um ponto em comum em alguns de seus mais recentes filmes: o espetacular trabalho de fotografia de Walter Carvalho. Com mais de 40 longas-metragens no currículo, o paraíbano é a grande referência da direção de fotografia no Brasil, sendo vencedor de vários prêmios em festivais e mostras nacionais e internacionais.

Depois de tantas parcerias vitoriosas, aprendendo com os principais cineastas do país, foi um movimento natural Carvalho passar para a direção principal de filmes. A estréia aconteceu no documentário Janela da Alma (2001), co-dirigido ao lado de João Jardim. Na seqüência, veio o grande sucesso de bilheteria Cazuza – O Tempo não Pára (2004), outro trabalho de co-direção, dessa vez em parceria com a carioca Sandra Werneck. O diretor-fotógrafo, que lançou no ano passado o documentário Moacir – Arte Bruta, prepara-se para comandar sozinho a adaptação cinematográfica de Budapeste, livro de sucesso de Chico Buarque.

O Caderno G conversou com Walter Carvalho durante o último Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, encerrado no final de novembro. Ele fez a fotografia de dois filmes concorrentes da mostra candanga: o polêmico Baixio das Bestas, de Cláudio Assis, vencedor do festival; e o documentário O Engenho de Zé Lins, dirigido pelo irmão Vladimir Carvalho, prêmio especial do júri. O diretor contou como chegou à direção de fotografia, revelando também sua forma de trabalho e suas principais referências. Caderno G – Como começou a trabalhar com a fotografia?

Walter Carvalho – Tive a sorte de ter em casa o Vladimir (Carvalho, irmão 12 anos mais velho), que fazia filmes, documentários. Ele tinha um projetor 16mm e passava os copiões dos filmes que fazia na sala lá de casa, passava também outros filmes, como Le Balon Rouge, do Albert Lamorisse, que me encantou. Ainda garoto, comecei a estudar pintura e depois fui para o Rio de Janeiro, em 1968, estudar design. Sou gráfico-designer formado pela Escola Superior de Desenho Industrial. No curso, tinha a matéria de fotografia. Não aprendi a fotografar ali, mas aprendi a gostar de fotografia, principalmente por causa do professor Roberto Maia, que também era fotógrafo de cinema. Além disso, acho que o Vladimir já tinha aplicado nas minhas veias um tipo de veneno, alguma droga tipo hidroquinona, que é o agente revelador da película, e virei um dependente físico disso (risos). Até hoje, tenho que me aplicar diariamente do cinema para poder sobreviver e não ensandecer completamente. O início foi isso, juntou a influência do Vladimir com os estudos de pintura e a fotografia no curso de design.

Fez cursos de fotografia?

Não. Fui aprendendo por atrito, fazendo. O Vladimir acabou me chamando para fazer meu primeiro filme como fotógrafo As coisas foram se juntando e, quando vi, não tinha mais volta, já era uma pessoa ligada à fotografia no cinema. Comecei a fotografar e dei muita sorte, porque ganhei alguns prêmios no início da carreira. Mas isso não me deixou vaidoso, acabou sim me estimulando, me desafiando a estudar mais, e, por conta disso, estudo até hoje. A cada filme que faço, sempre começo do zero. Dessa forma, estou sempre aprendendo, tanto nos filmes que fotografo como nos que dirijo.

Explique seu método para fazer a direção de fotografia em cinema.

Não chego com idéias prontas. Eu descubro a idéia da fotografia a partir do roteiro ou do projeto do diretor, de seus pensamentos. Às vezes é uma citação dele que nem tem a ver, mas me remete ao filme de alguma forma. Dentro do roteiro está contida a cor, a forma de enquadrar, o tipo do claro-escuro, se o filme tem muita luz. Mas isso não está escrito diretamente e você tem que se dedicar e descobrir dentro das páginas. Muitas vezes, você encontra o caminho na primeira página do roteiro. Mas também acontece de você estudar o roteiro três, quatro vezes e não conseguir muita coisa. Leio o roteiro como se fosse uma história, abstraio as indicações de cena (interior, exterior, dia, noite), procuro me deter nos personagens. Depois que compreendo o roteiro desse ponto de vista, vou conversar com o diretor e esse é o momento mais importante para mim. Ainda volto ao roteiro para uma leitura técnica e analítica. A última etapa do processo é quando se começa a cruzar o seu trabalho com os outros departamentos do filme relacionados à fotografia.

Destacaria algum trabalho especial, aquele que considera o seu melhor no cinema?

Acho que foi Lavoura Arcaica (de Luiz Fernado Carvalho).

Muitos falam de Filme de Amor (de Julio Bressane)...

Também fico na dúvida. Dá para citar Filme de Amor, tem os filmes com o Walter Salles, principalmente Terra Estrangeira. É muito delicado falar sobre isso, mas tenho impressão que Lavoura Arcaica seria meu principal trabalho. Teve aquela coisa da imersão (toda a equipe viveu numa fazenda durante nove semanas antes das filmagens), que foi o mais importante para mim e para todos os que se envolveram no projeto.

Você é referência na direção de fotografia no Brasil. Mas quais são suas referências? Há algum fotógrafo que admira?

As minhas referências para direção de fotografia sempre foram as mesmas: Machado de Assis, Ariano Suassuna, Raduam Nassar, José Lins do Rego e, sobretudo, os poetas, encabeçados por João Cabral de Mello Neto, que é o poeta da síntese. A música do Caetano Veloso, principalmente a primeira fase da carreira dele, e a música de Bob Dylan também são referências. E o povo, a manifestação gráfica e visual, cromática, da expressão das ruas, das cidades brasileiras, os painéis, a espontaneidade da caligrafia do povo, da geografia. Essas são minhas maiores fontes.

A passagem para a direção de filmes foi tranqüila, algo que desejava?

Ela pintou de uma forma natural. Filmei com tantos diretores e vou continuar filmando. Quero aproveitar para dizer que não vou parar de fazer fotografia jamais. Sou um fotógrafo que dirige filmes. Não abro mão da minha atividade.

Pretende continuar intercalando filmes de ficção e documentários na direção?

Tenho conseguido colocar sempre um documentário entre dois filmes de ficção. Acabei de fotografar Chega de Saudade, o novo filme da Laís Bodanzky, e estou fazendo atualmente um documentário com o Lírio Ferreira (Árido Movie), sobre o compositor Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga. O fato de fazer um documentário entre filmes de ficção me alimenta. A realidade me alimenta para ficção. E me considero um documentarista, antes do diretor do ficção.

Como está o projeto de Budapeste?

O roteiro já está pronto, mas ainda precisa ser mais trabalhado. Vamos nos aprofundar no projeto no início de 2007, para tentar filmar no final do ano. Ainda não pensamos em elenco.

Você dirigiu uma das maiores bilheteria do cinema nacional recente (Cazuza, com mais de 3 milhões de espectadores). Como analisa esta temporada, em que houve uma grande queda no público do cinema nacional? As pessoas estão novamente se afastando dos filmes brasileiros?

Tem muita coisa acontecendo no mundo, muita coisa para se ver, televisão, internet, muito evento, show, a Copa do Mundo, muita festa. Por outro lado, não há dinheiro para se pagar um filme no cinema, que está muito caro. E também não estamos atravessando uma boa fase de filmes. Está se trabalhando muito o cinema programado para dar certo, os filmes decodificados para atender um público determinado. Tem que se deixar claro que a queda da bilheteria dos filmes brasileiros durante este ano não foi uma particularidade, os americanos também estão reclamando de queda nas rendas. O mundo está muito complexo, muito bestial, o cinema poderia ter uma importância muito maior. O cinema deveria fazer parte do currículo das escolas. É preciso diminuir a fome, a violência, dar escola, transporte e médico para população. Se conseguimos melhorar isso, vamos melhorar o nível de interesse das pessoas pela cultura de uma maneira geral.

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