Diogo Mainardi quer derrubar o presidente. Diz isso para quem quiser ouvir. Escreveu a frase com todas as letras nas primeiras linhas de sua coluna na revista Veja. Chegou a ter um processo no Supremo Tribunal Federal por isso, mas ganhou a parada. Para ver Lula na lona, Mainardi recorreu a um método polêmico. Ligou para o deputado federal paranaense José Janene (PP), um dos envolvidos na crise do mensalão. Janene disse que só falaria sobre o assunto em off. Ou seja, Mainardi poderia usar as informações, mas sem dizer quem as havia revelado. "Confie em mim", disse o colunista. Janene admitiu que José Dirceu cooptava parlamentares para votar com o governo federal.
Depois de pensar "por um segundo e meio", o colunista mandou o off às favas. Publicou tudo na boca de Janene. O deputado ficou furioso. Por sua revelação, o colunista foi criticado pelos colegas de imprensa. Respondeu ao seu estilo: atirando. Desde então, tem dito que a imprensa acoberta crimes ao se calar, comprou uma briga com o colunista Luís Nassif, da Folha de São Paulo, e agora diz que até o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, é melhor jornalista do que os repórteres brasileiros.
Na segunda-feira, Mainardi deu uma entrevista sobre o assunto à Gazeta do Povo. Além de dizer que realmente é confiável, ele se declara um case de sucesso. E admite que ficou insuportável depois que suas críticas pioneiras contra Lula foram adotadas por mais gente. Diz que assumiu uma pose de oráculo. E, assim sendo, continua dando seus palpites. Leia a seguir os principais trechos da conversa.
Você é confiável?Sou absolutamente confiável. Não sou vendido, em primeiro lugar. Não sou remunerado por ninguém que não seja os meus patrões, que todo mundo sabe quem são. Não sou filiado a nenhum partido. Não faço política partidária simulada ou ostensiva. Não sou pautado. Todas as minhas colunas são da minha cabeça. Não necessariamente tudo o que eu digo faz sentido, mas tudo o que eu digo parte de mim.
Como você pensou na coluna com o deputado José Janene?Eu imaginei que o Janene não fosse falar comigo. Ele falou porque queria me usar como garoto de recados. Outros repórteres são obrigados a fazer esse papel, para manter fontes, para conseguir interlocutores políticos. Eu não tenho o menor interesse em ter interlocutor político de qualquer partido. A minha coluna não se baseia nisso. Depois que ele me falou coisas que eu considerei extremamente relevantes para discussão política do momento, eu achei que podia romper a chantagem e usar a revelação dele contra o próprio governo.
Quebrar o off foi uma decisão difícil de tomar?Não. No primeiro momento, eu pensei: "Ah, não posso publicar, que pena". Um segundo e meio depois eu disse: "Mas por que eu não posso publicar?". E essa pergunta me levou a fazer a coluna que eu fiz.
E a Veja deu respaldo total na história?Me deu total respaldo. Primeiro, eles sabiam que eu estava dizendo a verdade. A partir daí era um problema meu. Eu, como colunista, perdia fontes, deixava de ser confiável como fonte de notícia. Eu nunca tive uma fonte. Nunca me interessou.
O mais surpreendente talvez seja você ter revelado que não gravou a entrevista. Isso abre margem para um processo complicado para você.Abriria um processo complicado para mim. Seria a minha palavra contra a dele. Em nenhum momento ele negou a entrevista. Eu liguei para ele na semana seguinte, dessa vez gravando, e perguntei se ele queria continuar falando. Perguntei pra ele. "Já que o senhor aceitou revelar em off, por que não faz um esforço de transparência em benefício do país e revela tudo em on [abertamente]. Ele primeiro disse que não negou nada. Mas disse que eu fiz uma cafajestice e desligou o telefone na minha cara. Justamente. Está no direito dele. Mas ele obviamente não negou o que disse porque disse isso mesmo. E corresponde à verdade, inclusive.
Nas últimas colunas, depois do episódio do off, você fez uma espécie de campanha contra a imprensa brasileira. É deliberado isso?Eu acho que esse é um dos grandes problemas que nós tivemos nesses últimos dois anos: um alto grau de cumplicidade dos agentes fiscalizadores com o governo. A imprensa é um dos poucos setores da sociedade brasileira que podem esboçar algum tipo de reação. Mas ela ficou muito desarmada com a eleição do Lula, de maneira até assustadora. E foi por isso que eu me meti a falar de política. Mas a sociedade, a imprensa, estava todo mundo muito desarmado, com a guarda muito baixa. Eu me senti empurrado a falar do governo de maneira mais direta. A máfia se baseia no código de silêncio, na omertà. Eu acho que romper o código de silêncio é sempre um serviço. E nesse caso em particular.
Você escreveu que o Brasil tem offs demais. Agora fala em omertà. Você acredita que a imprensa acoberta crimes? A imprensa brasileira pode ser cúmplice de crimes com o silêncio. Ela pode ser, ela foi muito, muito partidária, muito sectária. E isso é um crime, porque o papel da imprensa é fazer exatamente o contrário. É denunciar o poder público. E não ser o braço armado do poder público.
Você decidiu que a sua função sobre a Terra é fazer sátira?Eu decidi, mas decidi baseado no que eu tinha à disposição. Você decide o tipo de guerra que vai fazer depois que conhece o seu arsenal. E o meu era só esse, não era grande coisa. Eu só tinha uma faca. Então o que eu tinha que fazer era furar pneu. Essa foi a minha atividade a vida toda.
Você se define às vezes como um mercenário, que trabalha por dinheiro. É outra ironia?Eu faço questão de trabalhar por dinheiro. É a minha motivação para continuar no trabalho. Mas eu não topo qualquer parada para ganhar dinheiro. São coisas diferentes. O termo mercenarismo é irônico, sem dúvida. É que, para um escritor ser remunerado, é uma coisa tão pouco comum que até hoje eu me surpreendo e não consigo parar de falar sobre isso. E eu gosto também de mostrar que uma posição que não é muito ortodoxa na nossa cultura, que é assim de uma contestação mais debochada, pode dar certo. Sabe, eu sou um caso de sucesso. E eu acho bom falar para as pessoas que alguém que assumiu uma posição de contestação na sociedade conseguiu reconhecimento. É bom, saudável isso.
Se você fosse um marqueteiro, você se definiria como um case de sucesso?Eu analisaria meu case e diria que tem um certo campo de trabalho. Você acaba de ganhar na Justiça um processo que garante a você o direito de escrever que quer derrubar o presidente. Eu sei que os meus colegas não vão muito com a minha cara, mas é uma sentença importante para todos os jornalistas. A petição [levada ao Supremo Tribunal Federal por um advogado] falava em subversão à ordem constitucional, ou uma coisa assim. E o ministro Celso de Mello diz que não compete ao Supremo a análise deste processo. Depois, ele diz que, apesar disso, entra no mérito da questão. E faz um discurso muitíssimo bem articulado sobre a função da imprensa. Ele fala da necessidade da imprensa de vigiar o poder, inclusive recorrendo a instrumentos como o sarcasmo, a crítica contundente nas entrelinhas você lê até críticas injustas contra os políticos, e que eles merecem vigilância ainda mais atenta do que o resto da sociedade.
Apesar de ser uma decisão importante, teve pouca repercussão.Porque me envolve e os jornalistas não querem me dar essa satisfação. Se fosse outro, poderia ter dado primeira página. No meu caso, não. Eu acho que eles nem concordam muito com a sentença. Eu acho que muita gente queria me ver punido, desmoralizado em público. Mas eu entendo. Eu vivo cagando regra para todo mundo. E nos últimos seis meses eu fiquei uma pessoa bastante insuportável [por ter antecipado as críticas ao PT]. Falo para todo mundo: eu disse, eu disse, eu disse. Eu sou o máximo, eu sou um oráculo, eu sou um sabe-tudo, um sabichão. É óbvio que as pessoas se cansam e planejam a vingança. Eu virei um pentelho recentemente. E eu mereço uma punição. Mas não desse jeito. Não punindo a liberdade de imprensa, por exemplo. E não por algo que eu tenha feito, porque, sujo, eu não sou.
Resumindo, você é mesmo confiável?Sou absolutamente confiável.