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Martin Sheen e Sissy Spacek, em Terra de Ninguém: longe das convenções de uma trama policial | Fotos: Divulgação
Martin Sheen e Sissy Spacek, em Terra de Ninguém: longe das convenções de uma trama policial| Foto: Fotos: Divulgação
  • O premiado Cinzas no Paraíso, de 1978, consolidou a forma autoral dos filmes de Malick
  • Além da Linha Vermelha: retorno depois do hiato de duas décadas rendeu indicações ao Oscar
  • A Árvore da Vida oferece inúmeras interpretações ao combinar um drama familiar à criação do universo
  • O recluso Malick trabalha com tom autobiográfico no seu filme mais recente

Chamar alguém de gênio, em tempos tão velozes quanto os atuais, pode não significar grande coisa. Em um mundo hipermidiatizado, onde são tantas as vozes que expressam suas opiniões, muitas delas sem maior embasamento, identificar um talento único, incomparável, é tarefa árdua. E, nessa pressa toda, escritores, cineastas, artistas plásticos, cantores e compositores podem ser tanto superestimados quanto descartados sem cerimônia.

O cineasta norte-americano Terrence Malick, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano com A Árvore da Vida, atualmente em cartaz em Curitiba, é um desses artistas que com frequência veem seu nome incluído nesse seleto, ainda que elástico e discutível grupo de criadores ditos geniais.

O interessante é observar que, apesar de ter uma filmografia pequena, composta por apenas cinco longas-metragens, Malick, que foi jornalista das revistas Newsweek, Life e New Yorker antes de se dedicar ao cinema, mostrou-se um autor singular, e caiu nas graças da crítica, já com seu primeiro filme, Terra de Ninguém, lançado há 38 anos.

Terra de Ninguém

Já nesse primeiro trabalho, traços identificáveis em toda sua obra, e certamente em A Árvore da Vida, estão presentes. Baseado em uma história real, o filme é narrado por Holly Sargis (Sissy Spacek, que três anos mais tarde se tornaria estrela em Carrie, a Estranha), uma jovem de 15 anos que, ao lado do namorado, Kit Carruthers (Martin Sheen, de Apocalipse Now), mata o próprio pai, dando início a uma série de assassinatos no Nordeste dos Es­­tados Unidos.

Diante de uma sinopse como essa, o esperado hoje, ou em qual­­­quer época, em se tratando do cinema hollywoodiano, é que a história fosse tratada como um drama policial cheio de suspense, cenas de ação, e com pelo menos uma pitada de maniqueísmo. Mas não é o caso de Terra de Ninguém, ou de qualquer filme de Malick, cujo estilo sempre procurou fugir das imposições narrativas e moralistas da produção norte-americana convencional.

Momentos em que a câmera se ocupa do plano (uma paisagem, um cômodo vazio ou os olhos de uma mulher, por exemplo) sem que nada visível aconteça, os chamados silêncios mortos. Quebra da linearidade temporal. Foco na dimensão psicológica dos personagens, que colocam a trama em movimento, ao invés de estarem sujeitos a ela. Tudo isso está em Terra de Ninguém e nos outros quatro longas do diretor.

Cinzas no Paraíso

A consagração – e a confirmação da promessa representada por seu longa de estreia – veio cinco anos mais tarde com o estupendo Cinzas no Paraíso (1978). O filme, que lhe deu os prêmios de melhor direção no Festival de Cannes, do Círculo de Críticos de Nova York e do National Society of Film Critics, leva ainda mais longe a proposta de Malick de usar o silêncio como elemento fundamental de seu cinema. Ele economiza nos diálogos e investe na meticulosa construção dos planos, para contar a história, que "acontece" muito mais no interior dos personagens do que na ação.

No início do século 20, Bill (Richard Gere, em um de seus primeiros papéis importantes) e Abby (Brooke Adams) formam um jovem casal que vive e trabalha em Chicago, mas fingem ser apenas irmãos. Quando decidem ir para o Sul trabalhar nos campos de trigo, em companhia de uma garota, eles vão parar em uma fazenda no Texas, onde o proprietário (Sam Shepard) se apaixona por Abby – é a grande chance que esperavam para al­­cançar fortuna. Porém, o destino lhes prega uma peça.

Além da Linha Vermelha

O visual deslumbrante, inspirado pelo trabalho do pintor americano Andrew Wyeth, deu a Néstor Almendros o Oscar de melhor fotografia, mas Malick foi esnobado pela Academia. Ele só seria indicado a melhor diretor (e roteiro adaptado) duas décadas mais tarde, por Além da Linha Vermelha (1998), perturbador, lírico e espetacular filme sobre a campanha de soldados ianques em Guadalcanal, no sudoeste do Oceano Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial.

Mais uma vez, Malick optou por uma narrativa poética, fragmentada e nada linear, mais focada na experiência bélica dos (muitos) personagens do que na trama, que acabou de certa forma ofuscada pelo estilo vigoroso, porém mais acadêmico, de Steven Spielberg (que venceu o Oscar de melhor direção) e seu O Resgate do Soldado Ryan, uma obra de heróis patrióticos também situada na Segunda Guerra – tudo o que o filme de Malick não é.

O Novo Mundo

Aliás, o diretor texano, embora um apaixonado por temas e pela paisagem norte-americana, não é um nacionalista acrítico. Pelo contrário. Seu penúltimo longa, O Novo Mundo, é prova disso. Malick volta ao século 17, durante o período de conquista e colonização do território dos Estados Unidos, e conta a história do explorador britânico John Smith (Colin Farrell) e seu conflituoso caso de amor com Pocahontas (Q’orianka Kilcher), filha de um cacique powhatan.

Por séculos edulcorada pela história oficial, a trágica jornada da princesa indígena, levada à corte inglesa na condição de espécime exótico, é, ainda que seja um Malick menor, ao mesmo tempo deslumbrante do ponto de vista estético e essencialmente político em sua releitura do mito da princesa Pocahontas, que chegou a ser transformada em heroína pelos Estúdios Disney.

A Árvore da Vida

Por conta de Malick ser avesso à mídia e um tanto discreto no tocante a sua vida pessoal, não é muito claro se A Árvore da Vida, que retrata a infância de um garoto da geração do diretor, tem cores autobiográficas ou não. Jack – vivido por Hunter McCracken quando garoto e por Sean Penn, na idade adulta – mora com seus pais e os dois irmãos em Waco, no Texas, cidade natal do diretor, nos anos 50.

O mais ousado, e talvez me­­nos palatável, entre os longas de Malick, A Árvore da Vida tem como uma de suas leituras possíveis o paralelo que estabelece entre a postura ao mesmo tempo autoritária, violenta e afetuosa da figura paterna, encarnada magistralmente por Brad Pitt, e a ideia de um Deus frente a sua maior criação: um mundo imperfeito, cheio de som e fúria.

Cinematográfico em sua essência, em decorrência do impacto que tira da costura original que faz de sons, imagens, diálogos e discurso, numa narrativa que pode frustrar o espectador, A Árvore da Vida divide opiniões, ao mexer com certezas tanto estéticas quanto existenciais. É um Malick legítimo, enfim.

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