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A fama súbita da filosofia é, de certa forma, surpreendente. O que não impede que se crie hipóteses para ela. Sua volta como disciplina do ensino médio, 35 anos depois de ter sido banida pela ditadura militar, pode ser uma influência. Aliás, esse retorno aconteceu no Paraná antes de ser aprovado no resto do país.

"Talvez o obscurecimento da política e o individualismo exacerbado favoreçam esse renovado interesse pela ética, por preocupações que se referem apenas à minha vida particular", diz Rodrigo Brandão, professor de Filosofia da Universidade Federal do Paraná.

Para o seu colega, Luiz Eva, "os problemas filosóficos são em si mesmos profundamente interessantes, são portadores de um interesse intelectual legítimo e, muitas vezes, estão conectados a outros problemas intelectuais que se oferecem nas mais diferentes áreas de interesse humano, como a política, a linguagem, a ciência ou as artes".

De maneira geral, quem é da área, simpatiza com a popularização de debates filosóficos pela possibilidade que ela tem de atrair mais pessoas a livros e questionamentos importantes. Porém, como em qualquer coisa na vida, existe o lado ruim.

"Há armadilhas nessa vulgarização", diz Brandão. "A primeira coisa que devemos ter em mente é que a filosofia não está aí para dar respostas a tudo. Ela favorece mais as perguntas do que suas respostas. Esse é um ponto. Outro ponto, seria necessário perceber que a filosofia é um trabalho árduo e lento, que exige longa meditação e muita leitura, ela não é mero ‘achismo’, coleção de opiniões. Nesse sentido, seu lugar na mídia é meio desconfortável, visto que esta exige rapidez e condensação que são estranhas à filosofia."

Para Eva, esse fenômeno de popularidade corre o risco de permanecer um evento superficial, "subordinado ao mero fluxo da moda, como qualquer outro". "Mas o contato com a filosofia passa a ter um significado diferente quando ele envolve um aprofundamento da reflexão sobre as dificuldades e desafios próprios a que ele pode conduzir."

Para Brandão, autores como Alain de Botton e Luc Ferry desenvolvem trabalhos interessantes, sobretudo como divulgadores da filosofia. "Seus livros são bem escritos e, em certa medida por isso mesmo, atraem os mais diversos leitores", afirma.

Porém, o professor acredita que um livro de filosofia figurar entre os mais vendidos não quer dizer nada. "Ou melhor, pode até depor contra ele mesmo. Lembremos por exemplo que grandes livros de filosofia não venderam quase nada. A Fenomenologia do Espírito, de Hegel, por exemplo, que completa 200 anos de sua publicação, vendeu apenas 750 exemplares em 25 anos."

Há ainda uma questão bem mais mundana (e humana), apontada por Luiz Eva. "Muitas vezes, quem se aproxima da filosofia está em busca de um guru e tem muita gente disposta, mesmo entre aqueles que são ‘sérios’, a posar de guru, até por uma questão de vaidade pessoal", diz.

Contudo, Eva e Brandão preferem não citar nomes quando se referem ao mundo do charlatanismo, povoado por livros caça-níqueis e filósofos de meia-tigela.

Mas, afinal, a filosofia pode – como quer Luc Ferry – ensinar alguém a viver?

"Ora, essa é uma das pretensões da filosofia desde a antiguidade", lembra Brandão. "Sabedorias antigas como o epicurismo e o estoicismo, por exemplo, pensavam encontrar na vida feliz o objetivo da filosofia. No entanto, as respostas não são fáceis e não se tratam de simples conselhos."

"Não basta abandonar o Prozac e ler um livrinho de vulgarização filosófica achando que seus males acabaram. Isso parece coisa das Organizações Tabajara. Vejo com muita desconfiança, muita mesmo, essa proliferação de obras de auto-ajuda com verniz filosófico", arremata o professor.

Para quem está com sede de Filosofia, Luiz Eva indicaria, por afinidade, Bacon, Berkeley Hume e Montaigne (sobre este prepara um livro a ser publicado pela Loyola). Já Brandão, também construindo uma lista pessoal, citaria Agostinho, Leibniz, Bayle, Voltaire e Rousseau.

Outras obras que podem ser úteis são as das coleções Lógos, da editora Moderna, e Filosofia Passo a Passo, da Jorge Zahar. Histórias da filosofia podem dar uma boa base – entre as clássicas, estão as de Bréhier e Chatelet.

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