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Zambra resgata em sua infância memórias da ditadura militar | Mabel Maldonado/Divulgação
Zambra resgata em sua infância memórias da ditadura militar| Foto: Mabel Maldonado/Divulgação

Romance

Formas de Voltar Para Casa.

Alejandro Zambra. Tradução de José Geraldo Couto. Cosac Naify, 160 págs., R$ 29,90.

Quando esteve na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2012, o escritor chileno Alejandro Zambra, que à época lançava no Brasil seu segundo romance, Bonsai, descreveu Formas de Voltar para Casa, então ainda inédito aqui, como uma história sobre "aqueles que aprendiam a ler ou a desenhar enquanto seus pais se tornavam cúmplices ou vítimas da ditadura de Augusto Pinochet".

Recém-chegado às livrarias do Brasil, publicado pela Cosac Naify, que também lançou os outros dois romances de Zambra, A Vida Privada das Árvores e Bonsai, o livro tem, sim, bastante a ver com essa síntese. Mas a obra vai bem além disso.

Narrado em primeira pessoa, num tom entre o autobiográfico e o ficcional, o livro se passa dentro da cabeça de um escritor imerso no processo de criação de um romance memorialístico. Possivelmente, este que estamos a ler. A ação se passa entre o fim de 2009 e o início de 2010, às vésperas da eleição de Sebastián Piñera à presidência do Chile.

Recém-separado, mas ainda muito ligado a Eme, mulher com quem viveu sob o mesmo teto durante alguns anos, o narrador tem como mote simbólico de sua história o terremoto que atingiu o Chile em 1985.

O protagonista, na ocasião, tinha 9 anos e era menino demais para se dar conta da gravidade do abalo sísmico, já que na localidade onde residia, Maipú, comuna da grande Santiago, seus efeitos mal foram sentidos. O narrador, com mais de 30 anos, estabelece entre esse tremor de terra e o estado de coisas no país naqueles dias um paralelo muito instigante.

Assim como os sinais do terremoto tinham lhe parecido muito brandos, quase imperceptíveis, o impacto da ditadura militar no cotidiano do garoto também eram pouco evidentes, difusos. Talvez porque seus pais nunca propriamente tomaram partido – ele suspeita que, em certa medida, achassem que o regime fosse um mal necessário para recolocar ordem no país.

Emancipação

Outra experiência da infância emerge como definitiva, enquanto escreve o livro. Ele se perde dos pais, mas consegue voltar para casa sozinho. É o momento em que se descobriu pela primeira vez capaz de enxergar o mundo com os próprios olhos, e a começar a formar opiniões, a buscar experiências com maior autonomia. Nessa mesma época, ele estabelece uma relação especial com Claudia, uma menina um pouco mais velha, moradora do seu bairro, que lhe pede que vigie os passos de Raúl, um tio que mora muito próximo da casa do narrador.

Encantado com Claudia, e com a aventura que ela lhe propõe, o menino cumpre seu dever com toda a dedicação – está enamorado tanto por ela quanto pela missão. Esse idílio, no entanto, dura pouco, e a garota desaparece, assim como Raúl, tornando-se uma incógnita que só será decifrada anos mais tarde, no tempo presente, quando os dois personagens se reencontram e a verdade, que envolve a vida política do Chile nos anos 80, vem à tona.

Tanto os fatos do passado quanto esse reencontro no presente do personagem são incorporados à história que ele está a escrever, dando-lhe novos rumos.

Zambra, em sua entrevista à Gazeta do Povo, contou uma passagem de sua própria adolescência que acabou incorporada à narrativa do protagonista de Formas de Voltar para Casa: "Nos primeiros anos de democracia, eu estudava em um colégio muito grande, com milhares de alunos, a única escola pública em Santiago, em teoria, de qualidade. Mas muito segregada. Era muito difícil de ingressar. Em 1991, estávamos tendo aulas e dois ladrões entraram e se esconderam no estacionamento do colégio. Os policiais chegaram e fizeram disparos no ar e um dos professores se jogou sob a mesa e se pôs a chorar. Entrou em pânico. Tivemos de levantá-lo, dar­-lhe água. Esses eram os anos 1990. Um tempo meio inexplicável. Nós assumíamos como nossa uma história que não era nossa, mas de nossos pais. Nós somos uma geração transitória." GGGG

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