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NOVIDADE | Mauro Campos
NOVIDADE| Foto: Mauro Campos

À distância, elas parecem meninas inocentes de vestido e tranças. Entre elas, porém, Cordélia, Carol e Grace, as personagens da infância de Elaine Risley, protagonista do romance Olho de Gato, revelam-se crianças capazes de atos cruéis.

Na obra, que acaba de ganhar uma reedição pela Rocco, a escritora Margaret Atwood despe a infância de idealizações. É a época dos traumas.

Olho de Gato é considerado um dos melhores livros da carreira da Atwood. Foi finalista do Booker Prize em 1989, prêmio que a autora receberia 11 anos depois, pelo romance O Assassino Cego. Mais conhecida das escritoras da literatura canadense, com mais de 50 livros publicados, entre prosa adulta e infantil, poesia e crítica, Margaret é casada com o também escritor Graeme Gibson.

Seu nono romance é dedicado à complexidade das relações entre amigas de infância e a como os traumas experimentados nesses primeiros anos ressoam pela vida adulta. Uma narrativa que acompanha a consciência da protagonista em diversos momentos de sua história, intermeada por descrições detalhistas, que avivam as imagens dos ambientes.

O leitor conhece a rotina nômade de Elaine ao lado do pai entomologista (mesma profissão do pai da escritora); o começo de sua vida escolar, mais tarde a amorosa e profissional; e, finalmente, a encontra na meia-idade. É quando a memória da personagem é despertada, diante da eminência de uma retrospectiva de sua carreira como artista plástica – compromisso que a faz retornar a Toronto, onde viveu por muitos anos.

Os dias na cidade canadense são atormentados pelo anseio e o temor de se deparar com Cordélia, a personagem mais forte do livro e a principal causadora do trauma que deixou um breu na memória de Elaine: uma coação psicológica raramente atribuída a meninas de 9 anos. Atwood a descreve sem julgar culpados, livre para inverter o papel do carrasco e o da vítima, até mesmo o do perdão.

As angústias da infância e da juventude são constrastadas às inquietações da maturidade.

Os momentos da vida de Elaine, as idades, sucedem-se sem linearidade. A pergunta de Stephen Hawking – "Por que nos lembramos do passado, e não do futuro?" –, deslocada de Uma Breve História do Tempo para a epígrafe do romance, já sugere a reflexão sobre o tempo em que Olho de Gato se sustenta, sem a mínima pretensão científica.

O tempo não-linear é o que interessa à autora, entendido como uma superposição de momentos, em que nada do que foi vivido se perde. A sensação de sobreposição temporal é aguçada pela narrativa sempre no presente, embora a maior parte do livro seja preenchida por recordações de Elaine.

Os ecos das experiências passadas também são refletidos na estrutura da obra, dividida em capítulos, que levam os mesmos nomes das telas expostas na retrospectiva. Cada quadro carrega alguma recordação, uma emoção antiga da pintora, reinventada em temas surrealistas.

Assim como desmente a suposta inocência infantil, Atwood também desestabiliza os estereótipos da artista de vanguarda e da feminista – caminhos que Elaine a princípio segue e dos quais depois se desvia.

Olho de Gato é a narrativa dos seus erros e fraquezas, da consciência da sua própria história, mas, principalmente, da dificuldade de se livrar do peso do passado.

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