Quando saí da sala depois de assistir “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” em março, estava convencida de que as tentativas da DC de construir um universo cinematográfico para rivalizar com a franquia incrivelmente popular de filmes da Marvel estavam condenadas. Mas, ainda que “Capitão América: Guerra Civil” sugira que a fórmula da Marvel está viva e relativamente saudável, o filme tem paralelos inesperados – e indesejados – com “Batman vs Superman”.
Tomados em conjunto, esses filmes sugerem que 2016 pode ser o ano em que filmes de super-heróis, ao menos da maneira como são feitos atualmente, esbarram contra os limites na sua habilidade de contar certos tipos de história. E são uma notável ilustração do que o anseio por dominância global tem custado aos filmes de super-heróis em termos de criatividade e reivindicação de relevância social.
Devo dizer de uma vez – ainda que dizê-lo não vá realmente me poupar da ira do pessoal que interpreta qualquer discussão séria de seus filmes favoritos como uma ridicularização maldosa – que gostei bastante de “Capitão América: Guerra Civil”. Para um filme de 2h30, avança a uma velocidade agradável; não conferi as horas até dar 105 minutos.
Há uma sequência de luta no meio do filme que é simplesmente um deleite; bem coreografada, movida pelos personagens e consistentemente surpreendente. E após anos de tomadas obrigatórias do posterior da Viúva Negra (Scarlett Johansson), “Capitão América: Guerra Civil” mostra um comprometimento admiravelmente subversivo com servir carne masculina para aqueles de nós que estão lá para secar os cavalheiros bonitos, o que inclui uma sequência que existe quase inteiramente para exibir os músculos de Chris Evans tratados com computação gráfica.
Em todos os níveis, “Capitão América: Guerra Civil” é uma ida ao cinema mais prazerosa do que “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, mesmo levando em conta as esquisitas distorções visuais que meus óculos 3D produziram durante a minha sessão. Mas enquanto um filme é bem agradável e o outro é terrível, eles ilustram os limites para se contar histórias políticas em franquias de filmes de super-heróis de maneiras notavelmente similares.
Vigilância estatal
Ambos “Capitão América: Guerra Civil” e “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” são ostensivamente filmes centrados em questões sobre os papéis que indivíduos superpoderosos jogam na segurança nacional (e global) e sobre se super-heróis podem agir independentemente dos governos e ainda serem legítimos.
Em “Capitão América: Guerra Civil”, o dano colateral de uma operação em Lagos, em que a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) acidentalmente apaga da existência o canto de um alto edifício induz à adoção de um tratado internacional que exige que os Vingadores obtenham aprovação das Nações Unidas para suas operações. O Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), em o que parece em alguma medida uma reviravolta em relação às suas ansiedades anteriores a respeito de invasores de fora da galáxia, decide que os Vingadores precisam ser colocados no seu lugar, enquanto o Capitão América, preocupado com que a burocracia impeça os Vingadores de fornecer auxílio imediato, se recusa a trabalhar para a ONU.
O filme costura um interessante conjunto de posições, expressando dúvidas a respeito do direito internacional, indignação moral a respeito de detenções indefinidas e uma perspectiva sobre o processo de radicalização que retira o debate do atoleiro do terrorismo islâmico. E o faz melhor por ter personagens empáticos em cada lado do debate, mesmo que todo mundo além do Capitão América e do Homem de Ferro tenha motivações que são ou obscuras ou suscetíveis à mudança quando for útil para a trama. (Isso para nem mesmo mencionar as questões sobre isolacionismo e segurança insinuadas pela presença do Pantera Negra (Chadwick Boseman) no filme.)
Controvérsias políticas
“Batman vs Superman: A Origem da Justiça” começa com Bruce Wayne (Ben Affleck) testemunhando a luta entre os kryptonianos Super-Homem (Henry Cavill) e General Zod (Michael Shannon), a qual destrói a cidade, e decidindo que nenhuma pessoa deveria ter esse tanto de poder e estar livre para agir de maneira independente. Uma senadora (Holly Hunter), incitada pelo titã da tecnologia Lex Luthor (Jesse Eisenberg), que tem suas próprias visões macabras sobre uma invasão alienígena iminente, convoca uma audiência. O Super-Homem aparece, apenas para que então uma vítima da batalha de Nova York financiada por Luthor (Scott McNairy) detone uma bomba presa a si mesmo.
Mas não são apenas explosões que distraem “Capitão América: Guerra Civil” e “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” das questões que alimentam seus primeiros e segundos atos. O “momento Martha” em “Batman vs Superman” se tornou instantaneamente infame, e por boas razões: a ideia de que esse embate titânico entre super-heróis icônicos, motivados por visões de mundo drasticamente diferentes, iria se resumir ao fato de que suas mães compartilham o mesmo nome zombou do que supostamente estava em jogo no filme e da inteligência relativa de ambos os protagonistas.
E, mesmo sem dizer nada explicitamente, “Capitão América: Guerra Civil”, também termina apostando em questões pessoais tanto quanto em grandes ideias.
A essa altura eu deveria observar que não há nada de errado com isso! Um filme ou programa de televisão não precisa explorar questões políticas, muito menos se colocar em seja lá qual o lado correto em qualquer controvérsia política supostamente é, para ser bom. E qualquer um que já me ouviu argumentar apaixonadamente a favor de uma comédia romântica com a Mulher-Hulk sabe que não tenho nenhuma obsessão em tornar os filmes de super-heróis implacavelmente sérios e didáticos. Mas realmente acho interessante que ambos “Capitão América: Guerra Civil” e “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” decidam explorar controvérsias políticas e depois recuem de dar respostas às questões que eles colocaram, buscando refúgio em temas e emoções mais íntimos.
Credibilidade
Apresentar suas cidades em chamas e lutas violentas como uma forma de explorar temas grandes e relevantes sobre segurança nacional é uma maneira de reivindicar que esses filmes são mais do que entretenimento infantil para se assistir comendo pipoca. Essa jogada específica por credibilidade somente funciona, contudo, se você está disposto a levar à frente um argumento sobre as questões que você está colocando, em vez de simplesmente escamoteá-las para o próximo episódio da franquia.
A trilogia “Batman” de Christopher Nolan conseguiu fazer algo assim. Cada vez mais estou incerta de que outra franquia de super-heróis, ao menos não uma conduzida da maneira como Marvel e DC lidam com seus universos cinematográficos, será capaz de fazê-lo novamente.
Não é que haja algo a respeito de filmes de super-heróis que faz com que seja impossível contar histórias políticas sofisticadas com uma perspectiva definitiva. “Jessica Jones”, produzido para Netflix, um canal que prioriza audiências menores, mas altamente apaixonadas, passou sua primeira temporada contando uma história bem específica sobre misoginia e livre-arbítrio.
Mas em um ambiente de negócios no qual os maiores filmes de super-heróis têm de faturar um bilhão de dólares em bilheterias para serem considerados bem sucedidos, e no qual histórias de super-heróis têm de funcionar igualmente bem em diferentes contextos políticos e culturais, fazer um verdadeiro argumento político pode ser a coisa mais arriscada que Marvel ou DC poderiam fazer. Ao conquistar o mundo, filmes de super-heróis podem ter abandonado uma parte do argumento de que eles merecem governá-lo.
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