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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Tenho boas lembranças de médicos que me atendiam quando menino.

Doutor Balsini era magro, desajeitado e de um bom humor notável. Conversava, deitava na cama a meu lado e fazia palhaçadas enquanto, sem eu notar, me examinava. Eu ria e, por milagre, melhorava antes de tomar os remédios.

Homem mais sisudo, doutor Câmara era de igual competência. Pai de um amigo meu, Gastão, hoje médico homeopata em Joinville. Doutor Câmara sondava meus modestos males com exames de garganta, nariz, ouvidos, cutucões na barriga. Ríamos muito, enquanto minha mãe nos observava à distância:

- Duas crianças, dizia ela, repetindo o mesmo comentário quando o médico era o doutor Balsini.

Dois médicos célebres na Blumenau daqueles tempos – cidade que hoje só existe na minha memória. A eles acrescento Carlos Augusto de Souza, meu amigo e pediatra dos meus filhos, além de meus irmãos Cid e Élia. Médicos de uma escola antiga, calmos, compenetrados e serenos. Os três ainda na ativa.

Devo dizer que a sorte tem sido favorável comigo e até hoje precisei pouco de médicos. Para males menores, desses que se resolvem com um analgésico, um antiácido ou um anti-inflamatório. Nada de mais complicado. Como todo hipocondríaco, tenho saúde de ferro. Até o momento.

E acrescento: sei de outros médicos atuais que merecem aplausos e respeito.

Mas, como dizia João Antônio: sempre tem um porém.

Hoje saí de uma consulta com a sensação de que os eles mudaram. São nervosos, agitados, gostam de papéis e de carimbos, de fichários e de uma tela e de um teclado de computador. Tenho a impressão de que errei de porta e que estou diante de um gerente de banco.

Criaturas afobadas que evaporam em poucos minutos. Fui apresentar a ele a minha rinite alérgica. Ao surgir no corredor da clínica, que parece um shopping, já o identifiquei. Corria, formulários nas mãos, engomado num jaleco branco, braçadas ao vento. Entrou no consultório, examinou o celular. Depois, olhou para a tela do micro e me chamou.

Eu esperara quarenta minutos e fui atendido em menos de cinco. Perguntou o que não ia bem, falei da rinite, ele interrompeu dizendo que não tem cura mesmo, talvez fosse necessária uma cirurgia. Sente-se aqui, disse. Sentei numa cadeira enorme, ele enfiou um tubo em minhas narinas. Retornou ao teclado e digitou velozmente.

Não me perguntou nada. Com o que trabalho, se não trabalho, como ocorrem as crises de rinite. Por reflexo, informei coisas que não perguntou. Falei de um remédio que tomo.

Não se abalou. Acho que nem ouvia. Digitava. Imprimiu a receita. De longe adivinhei os três remédios que lá estavam – meus conhecidos de outras consultas, deve ser protocolo. Lembrei a ele que um deles, com pseudoefedrina, me deixa insone. Surpreso, rabiscou outro remédio sem a droga e me deu a receita.

Cinco minutos. Levantou-se e, num segundo, estava na porta do consultório com a mão protocolar estendida na minha direção:

- Passe bem. Se não melhorar, pensaremos na cirurgia.

Ah, sim, a cirurgia. Gostam muito de cirurgias. Também gostam de longas listas de exames segundo o protocolo. Sai calado. Melhor assim.

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