A escritora romena Herta Müller, laureada com o Prêmio Nobel de Literatura em 2009, e que cancelou sua vinda à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em julho deste ano, por conta de problemas de saúde, tem uma história familiar extremamente dramática: seu pai, romeno de origem alemã, fez parte da SS, uma das mais violentas tropas nazistas. A mãe, uma camponesa de origem simples, foi deportada para um campo de concentração. Jovem, Herta foi perseguida pelo governo do comunista Nicolae Ceausescu, presidente da Romênia Socialista de 1965 até 1989 (quando foi executado). Levando em conta esse contexto, é natural que a obra da escritora seja permeada pelo tom político, e aborde principalmente os sentimentos gerados por um governo opressivo.
Em O Homem É um Grande Faisão no Mundo, publicado recentemente pela Companhia das Letras, Herta Müller faz um relato duro sobre sobreviventes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em uma aldeia da Romênia, na década de 1980, em pleno período ditatorial. No centro dessas histórias está a família Windisch, de etnia alemã, que aguarda uma autorização para emigar para o Ocidente. O pai é um guarda-noturno que não vê a hora de deixar o vilarejo e partir para a Alemanha.
A saga para se conseguir o visto, o que lhe permitirá, de certa forma, buscar novamente a vida em outro país, não é simples, principalmente para os homens, que são faisões, aves medrosas e de asas curtas, mas que são vistosas e chamam a atenção. As fêmeas, por outro lado são mais discretas, o que lhes permite fugir.
Na obra, a personagem Amalie, filha de Windisch, acaba servindo como moeda de troca para que a família consiga o passaporte. Ao mesmo tempo em que sujeita a filha, ele também sofre e sente pelos sacrifícios dela. Na narrativa, é possível notar ainda como a autora aborda a tensão na relação entre homens e mulheres, e a constante falta de comunicação nos relacionamentos.
É recorrente ao longo da obra a desvalorização por parte de Windisch por sua mulher (personagem que não tem nome). Ele a violenta tanto de maneira física como emocional. Além disso, a exploração do trabalho, a falta de ética e as mazelas da Igreja e da política são assuntos que aparecem no texto. Nunca sem deixar de lado a ditadura e o espectro da guerra.
Seco
Os capítulos de O Homem É um Grande Faisão no Mundo são diretos, raramente passam de quatro páginas. Essa narrativa breve e de frases curtas, ao contrário do que possa parecer, não torna a obra uma leitura descomplicada ou fácil, mas vale a pena pelo olhar crítico de Herta.