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O “Manto da Apresentação” é uma das mais conhecidas vestes criadas por Bispo do Rosário, pelo seu alcance simbólico e riqueza do colorido e dos bordados | Reprodução
O “Manto da Apresentação” é uma das mais conhecidas vestes criadas por Bispo do Rosário, pelo seu alcance simbólico e riqueza do colorido e dos bordados| Foto: Reprodução

Arte em delírio

Conheça documentários que traçam um perfil de artistas com problemas psiquiátricos

Bispo do Rosário

O psicanalista e fotógrafo Hugo Denizarte já havia produzido um registro fotográfico sobre os internos do hospital psiquiátrico Colônia Juliano Moreira, em 1980, quando produziu o documentário Prisioneiro da Passagem (1982), sobre o artista Arthur Bispo do Rosário, interno da instituição por mais de 50 anos. O documentário de 23 minutos revela aspectos da vida e da obra do artista esquizofrênico, cujo trabalho é reconhecido internacionalmente.

Arte Bruta

Moacir – Arte Bruta (2005), segundo documentário assinado por Walter Carvalho (o primeiro foi Janela da Alma, em parceria com João Jardim), é um mergulho de sete dias no universo de Moacir, um homem pobre, analfabeto, que reside em um pequeno lugarejo no interior de Goiás. Com problemas psiquiátricos, ele retira de alucinações parte das imagens que desenha e pinta. O diretor escala familiares e vizinhos do artista para traçar um painel de sua trajetória.

  • Walter Carvalho e Moacir, em cena do documentário

O sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909–1989) era um visionário. Beirando os 30 anos, viu sete anjos que lhe anunciaram ter sido eleito por Deus para julgar os bons e os maus e recriar o mundo para o Dia do Juízo Final. Imediatamente, pôs mãos à obra.

Bispo do Rosário foi marinheiro na juventude e empregado de uma família tradicional carioca. Mas foi sobretudo artista. A mando de "vozes sagradas", que lhe diziam "faça isso", "amanhã quero que você faça aquilo", criou mais de 800 peças com materiais descartados pela sociedade e que, à sua maneira, recriam o mundo.

Bispo do Rosário era negro, pobre e... louco. A experiência visionária levou-o a ser diagnosticado como esquizofrênico-paranoico e passar 51 anos de sua vida como interno de instituições psiquiátricas – locais onde exercitou até a sua morte, em 1989, uma "arte bruta", formada por objetos criados com materiais descartados pela sociedade como, por exemplo, miniaturas, vitrines, embarcações, roupas e estandartes bordados.

Assim como outros alienados que se expressavam pela arte em hospitais psiquiátricos ao redor do mundo, a obra de Bispo do Rosário foi alvo de estudos que dividiam esta produção como pertencente a um grupo peculiar e, por isso, fizeram crer na existência de uma "arte de loucos".

Arte normal?

Quando conheceu a obra do artista, em 1991, e passou a estudá-la, a professora Marta Dantas, do departamento de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), preferiu lançar sobre ela um olhar contrário, alinhado, por exemplo, ao pensamento do artista norte-americano Jean Dubuffet, que declarou: "(...) Quem é normal? Onde está o homem normal? Mostre-nos! (...) Não há arte de loucos mais que a daqueles que sofrem de disfunção digestiva ou dos que sofrem do joelho".

"Entendo, como muitos outros, que só existe uma arte, arrebatadora, de beleza convulsiva, capaz de ampliar nossa estreita noção da realidade, capaz de colocar em jogo nossa relação com o mundo", escreve no texto de introdução de seu livro Arthur Bispo do Rosário: a Poética do Delírio, lançado recentemente pela Editora Unesp.

A publicação em papel cuchê, com reproduções em cores de obras do artista, é uma versão modificada de tese de doutorado de Marta, desenvolvidA em 2003 no departamento de Sociologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), em Araraquara.

A pesquisadora tomou conhecimento da arte marginal na década de 80, quando conheceu a obra do pintor Ranchinho (1923–2003), em trânsito entre a arte naïf e a arte bruta. Acabou escrevendo sua dissertação de mestrado sobre o artista. Uma visita à Coleção de Arte Bruta de Lausanne, na Suíça, em 1994, a levou a refletir sobre Bispo e sua "poética do delírio".

"O fato é que depois de mais de um século de debate sobre a relação entre arte e loucura, obras como a de Bispo continuam colocando mais questões do que as respostas que podemos extrair delas. Por isso, o que pretendi fazer foi uma ‘escuta poética’ de seu mundo, e, para tanto, me aventurei em diversas áreas do conhecimento", conta a autora, que tomou como principal fonte documental o curta-metragem Prisioneiro da Passagem (1982), de Hugo Denizart (leia mais no quadro ao lado).

Marta adentra aspectos da biografia de Bispo do Rosário, investiga a experiência trágica que transformou sua vida e reflete sobre suas construções, que podem ser compreendidas como um "esforço para transformar o caos em um cosmos". Objetos que, após um período de apreciação artística, hoje figuram ao lado das obras mais radicais e criativas já produzidas pelas vanguardas da segunda metade do século 20.

Serviço

Arthur Bispo do Rosário: a Poética do Delírio, de Marta Dantas. São Paulo, Editora Unesp, 224 págs., 2009. Preço médio: R$ 48.

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