Salve mestre Sérgio Porto, que inventou o FEBEAPA e batizou o eterno Festival de Besteira que assola o país! Agora a bola da vez é Woody Allen, crucificado por Caetano Veloso, endeusado num superfestival (no Rio e em São Paulo) e alvo de especulações sobre seu filme do Rio de Janeiro.
As críticas de Caetano provocaram chiliques na intelectualidade. Em entrevista ao jornal A União, de João Pessoa, ele chamou Woody de "careta", "reacionário", "cineasta pequeno" e, pior que tudo, "muito hétero." A esta altura como diria o próprio Woody me sinto politicamente in-co-rre-tí-ssi-mo por pertencer à minoria hétero. (Principalmente depois que o Rio foi eleito "o melhor destino gay do mundo". Vamos todos comemorar esta vitória com uma dose reforçada de Boa Noite Cinderela...) Caetano anda meio por fora: em seu penúltimo filme, Vicky Cristina Barcelona, Woody sugere uma cena lésbica entre Scarlett Johansson e Penélope Cruz; no último, Tudo Pode Dar Certo, ele vai mais fundo (com duplo sentido) e monta (idem) um casal homo entre um gay de carteirinha e um machão sulista divorciado.
Já o filme carioca de Allen Stewart Königsberg (74 anos em 1.º de dezembro, mais de 40 longas-metragens) se insere na nova linha mercadológica do cineasta. A exemplo de Vicky..., feito com substancial apoio financeiro da Catalunha (o contribuinte chiou...), ele teria aceitado o convite para rodar um filme na Cidade Maravilhosa, depois de honrar um compromisso com a municipalidade de Paris para fazer um filme passado na Cidade Luz. A ideia do que seria um filme de Woody Allen no cenário carioca excitou a imaginação dos cineastas de plantão locais.
É bom lembrar algumas tentativas anteriores de Hollywood. Voando para o Rio (1933) tem mais (Dolores Del) Rio do que propriamente o Rio e, como brinde, Fred e Ginger dançando "The Carioca", juntos na tela pela primeira vez. (Woody com certeza não resistira a usar um clip do bailado aéreo de Busby Berkeley. A Caminho do Rio (1947) é da série famosa The Road to... com o trio Bing Crosby, Bob Hope e Dorothy Lamour e se passa numa suposta fazenda de Campinas filmada naqueles arvoredos de Hollywood tão manjados dos bangue-bangues B. Paul Henreid e Claude Rains (no mesmo ano em que fizeram Casablanca) contracenam com Bette Davis em A Estranha Passageira (1942), com direito a cenas estranhas e passageiras num Rio de Janeiro amexicanalhado. Em Notorious/Interlúdio (1946), mestre Hitchcock arma uma intriga internacional em torno do triângulo Ingrid Bergman, Claude Rains (ambos ex-Casablanca) e Cary Grant tendo o Rio como pano de fundo: o filme usa e abusa de back-projections, empastelando cartões postais da cidade atrás dos protagonistas. Carlos Heitor Cony jura que seu irmão aparece sentado num banco na Cinelândia (sempre é tempo de correr atrás de um cachê de figurante...)
O filme de Woody-in-Rio quase já foi feito. Em Blame It on Rio/Feitiço do Rio (1984), o diretor Stanley Donen (Cantando na Chuva, Cinderela em Paris, Charada) traz Michael Caine, em crise matrimonial, se apaixonando pela filha adolescente do seu melhor amigo; Demi Moore, aos 21 anos, é a filha de Caine e aproveitou para fazer um ensaio erótico na revista EleEla. O Rio de Donen é uma meca do turismo sexual, com a praia de Ipanema cheia de garotas topless coisa que nunca existiu, reservada a uma meia dúzia de gringas malucas. Mas o dilema proposto por Donen tem tudo a ver com Woody, principalmente a transgressão pedófilo-familiar que ele viveu ao se apaixonar pela enteada Soon-Yi Previn, 35 anos mais moça.
Viajemos sucintamente pelos roteiros já propostos a Woody:
Sérgio Sá Leitão: Vigarista (Jonathan Rhys-Meyers), aeromoça (Scarlett Johansson), modelo desempregada (Adriana Lima) e malandro da Lapa (Rodrigo Santoro) se conhecem no Pão de Açúcar e entram num ménage à quatre.
Leo Jaime: Jovem tira saxofone do estojo e senta num banco do Jardim Botânico. Moça senta ao seu lado e diz: "Agora sou sua para sempre." Os dois passeiam pelas alamedas do Jardim.
José Joffily: Dois coroas bebem cerveja num bar de Copacabana e calculam a idade que terão na Olimpíada de 2016. Um ônibus sobe na calçada e esmigalha a dupla.
Marcelo Rubens Paiva: Rio 40 graus. Cristo do Corcovado tira o manto, tem uma sunga por baixo. Desce do pedestal e segue até a praia. Dá um mergulho diante da multidão pasma. "Pô, também sou filho de Deus," comenta. "Quantos real é o coco, mermão?"
Carlo Mossy: Roberto tem confirmada sua doença terminal. "Impossível morrer sem ver a Cidade Maravilhosa." Parte sem se despedir da mulher. Diagnóstico errado. Roberto jamais voltou a Uberaba. Matilda, a Boneca do Leme, algemou seu coração para sempre.
Rosana Svartman, Flávia Lins e Silva, Ricardo Perroni: Tina não quer ver a mãe na deprê e leva a recém-separada Clara, 60 anos, para a roda de samba na Lapa. Depois do quinto drinque, mamãe some às três da madrugada com um rapaz, parceiro de gafieira. Tina busca desesperada a mãe e finalmente a encontra ao amanhecer: nua e feliz, furando as ondas no Arpoador.
Matheus Souza: Namorada francesa larga namorado brasileiro no aeroporto e embarca para a França. Alega que sente falta da neve. Ele descobre na internet uma traquitana que fabrica neve e a coloca em ação no Galeão. Exagera na dose e o Rio inteiro fica soterrado pela neve. A noiva já partiu e não pode voltar enquanto não parar de nevar.
Roberto Pompeu de Toledo: Woody conhece uma turista espanhola (Penélope Cruz) e a câmara passeia pelo Rio: o casal se beija no Corcovado, discute a relação no calçadão de Ipanema, confessa suas inseguranças passeando de bicicleta pela Lagoa, e não se sabe o que mais admirar: se os personagens, os diálogos ou a cidade.
Arrisco também o meu palpite por que não? puxando a brasa para a nossa sardinha. O filme pode se chamar It Only Hurts When I Smile/Só Dói Quando Eu Rio; ou então Só Rio: Você Está Sendo Filmado. O cineasta faz umas pinceladas pontuais da cidade: Cristo, Pão de Açúcar, Ipanema, Maracanã e depois dá um calote no Rio e se manda para Curitiba. (Em Vicky Cristina..., depois de um rápido "comercial" de Barcelona, a pagante, Woody desloca a ação para Oviedo, nas Astúrias.) Percorrendo a Cidade Sorriso numa jardineira turística, nosso herói conhece uma fazendeira de Campo Mourão, que o convida para a Festa Nacional do Carneiro no Buraco. A jovem destaca o lado ecológico do evento, que resgata a tradição indígena de cozinhar alimentos em buracos para não incendiar a floresta. Woody não está nem aí para a explicação e salva uma bela ovelhinha do buraco fatídico. Apaixona-se pela bichinha e rouba o papel de Gene Wilder no episódio mais engraçado de Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (1972). A câmara acompanha Woody e a ovelhinha de costas a caminho de um motel. THE END. Rebatendo as críticas de Caetano, Woody introduz seu personagem num novo território da sexualidade, a zoofilia. É mole, ou quer mais?
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