Houve festa barulhenta no Teatro do Paiol. Embora pitadas de silêncio, bem dosadinhas, tenham afagado os ouvidos de quem já estava acostumado àquele caos genuíno, ao som flamejante de algo que está prestes a explodir, como se fôssemos, todos nós, os 200 marujos, grandes faíscas em um paiol de pólvora em seus tempos antigos e servis. Tzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Nem o ruído incidental, abafado criativamente por um pedal de delay, fez com que o show do grupo ruído/mm, no último sábado (21), fosse menor. O quinteto de Pill e André Ramiro (guitarra), Alexandre Liblik (piano e teclados), Giovani Farina (bateria) e Rafael Panke (baixo) é a melhor banda de Curitiba porque seu som somos nós, a própria fúria em forma de "Petit-Pavê" quebradiço. Mas só o somos porque antes do estrondo há um silêncio quase racional, corajosamente tímido, necessário, que se torna incrivelmente mais poderoso do que a própria entropia proporcionada logo adiante, na sequência da música. É o que fazemos quando não saímos de casa com medo do frio meses antes de nos perder no pré-carnaval do Largo.
Há também, no som, em nós, um assovio fantasmagórico que fala sobre sombras do passado: o resumo da história é um andar acabrunhado três por quatro chamado "Valsa dos Desertores". Somos isso, desistentes embalados ao piano, nos camuflando entre acordes maiores e menores, brincando de andar na rua XV pela manhã, de gorrinho e luva, mas sorrindo de canto de boca ao ver a fumaça marota de um cafezinho dizendo: "vem". Curitiba é esquizofrênica. Ou talvez bipolar.
Porque na mesma música, a partir dos 2 minutos e 30 segundos, há um salto rumo à redenção, à esperança, enfim, embora seja impossível esquecer-se do que veio antes: é que faz sol numa manhã fria de domingo depois da chuvarada de uma semana inteira.
Somos todos os ruídos: um baterista em seu estado pleno, cheio de um olhar quase torpe; um baixista que bate o pé direito com afinco (e isso é mais um exercício que busca segurança do que mera marcação de tempo); um guitarrista que olha para o próprio pé (não é sinal de desrespeito, é estilo definido e imutável); um outro que segura a palheta da guitarra na boca e anda para lá e para cá, como se procurasse o reflexo instantâneo de sua agressiva relação com o instrumento; e finalmente a classe de um pianista, que usa seus longos dedos para criar tanto melodias tristes quanto trêmolos engraçados (sabemos rir de nós mesmos). Tudo, descobrimos depois, para emprestar a estranha sensação de sentido a uma existência tímida, mas outrora invejada ou simplesmente para salvar todo aquele barulho de seu autoconsumo, como se lhe mostrasse um saudável limite.
O que somos? Prestidigitadores. Magos do condado, ilusionistas com poderes que encaram a vida na cidade grande/pequena como 1) exercício de salvação; 2) ingrediente principal para o insucesso certo.
Somos nada mais que "Índios", eletrônicos que seja. Buscando o essencial, o mínimo nesses tempos tão distantes e exagerados. "Uh, ah!". "Uh, ah!". Os gritos assustadores surgiram no palco e na plateia. Como uma boa "capital mais fria do país", eles, os gritos guturais, e um coro que lembra tanto igreja medieval quanto um baile no fim do mundo, são os únicos momentos em que a voz ganha uma função legitimamente musical. Mais é menos.
Porque muito aconteceu naquele Paiol lotado, além do ruído. E as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas assim, à toa. O silêncio, prova o ruído, é valioso e também muito, muito nosso.
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