• Carregando...

O mal do "resenhismo". Ao falar de um livro, é preciso criar conexões com outras obras e esboçar as informações em que o leitor pode se fiar para decidir "leio ou não leio a obra?". Algumas conexões são mais evidentes que outras. Não dá para citar O Animal Agonizante (Tradução de Paulo Henriques Britto. Companhia das Letras, 128 págs., R$ 29) sem falar de O Seio e O Professor do Desejo, histórias que Philip Roth dedica ao personagem David Kepesh.

Porém, não existe qualquer necessidade avassaladora de se conhecer os dois títulos anteriores – ambos editados nos anos 70 – para compreender e até apreciar o mais recente. Inclusive porque faz tanto tempo que estão fora de catálogo que é como se nunca tivessem sido lançados no Brasil. Tudo o que se pode intuir e perceber sobre Kepesh está no quase-monólogo de O Animal Agonizante. Nota-se que ele fala com alguém, mas como a pessoa permanece em silêncio durante quase toda a narrativa – pistas desse alguém são dadas sutilmente ao longo do livro –, funciona como se falasse sozinho.

Agora com 62 anos, o professor de literatura divorciado – cujo maior prazer na vida é transar com suas alunas – conta a história de amor que viveu com uma dessas estudantes, a filha de cubanos Consuela Castillo. Para ele, o sexo é um antídoto das porcarias da vida. Mais do que fazê-lo para viver, ele vive para fazê-lo.

"Porque é só quando você f* que tudo aquilo de que você não gosta na vida, tudo aquilo que derrota você na vida, é vingado na maneira mais pura, ainda que efêmera. É só nesse momento que você está vivo do modo mais limpo, que você é você mesmo do modo mais limpo. Não é o sexo que é corrupto – é o resto."

Kepesh viveu a revolução sexual dos anos 60, época em que sacrificou o casamento e, com ele, a relação com o filho. Tudo em nome da força que sentia e ansiava por meio do sexo. "Existe poder maior?", questiona. Abismado diante de alunas que se vestiam iguais a hippies e praticavam sexo com o desprendimento de um homem – ao menos é assim que ele vê as coisas –, preferiu o divórcio a ter de mentir sobre aventuras extra-conjugais. Assim vai se delineando a ética do narrador.

À medida que fala sobre Consuela, como a conheceu, quando começaram a sair e a perplexidade que sentiu ao descobrir a forma com que ela o influenciava, o professor revela o que pensa sobre casamento, intimidade, gays e camisinhas. "A Queda e a Ascensão da Camisa-de-Vênus: essa é a história sexual da segunda metade do século 20. A camisinha voltou. E, junto com ela, tudo aquilo que foi destruído nos anos 60." São temas mais ou menos superficiais sobre que Kepesh discorre como se desse um tempo para o assunto que o atormenta de verdade.

Em O Animal Agonizante (2001), assim como em Everyman, recém-lançado nos EUA, Roth acusa o golpe do tempo. Embora tenha uma saúde perfeita aos 73 anos, não pode evitar a proximidade da morte. Ainda mais quando amigos queridos ficam pelo caminho – a perda recente mais sentida pelo escritor foi a de Saul Bellow (1915 – 2005), Prêmio Nobel de Literatura em 1976. Roth conta que, na volta do cemitério, depois de enterrar Bellow, começou a escrever Everyman.

Outro fato determinante para os rumos de sua obra foi a perda do pai – sua agonia é descrita sem escrúpulos no livro Patrimony (1991). Desse ponto em diante, as humilhações impostas pela doença e pela morte passaram a atormentar criador e criaturas. Sendo uma delas, Kepesh tem uma reação mais básica, animal, ao fato – postura que ecoa no título do livro, uma referência ao poema "Viajando para Bizâncio", de W. B. Yeats (1865 – 1939). Ele lamenta que alguns órgãos "até agora invisíveis (rins, veias, pulmões, artérias, cérebro, intestinos, próstata, coração) estão começando a se manifestar da maneira mais assustadora, ao mesmo tempo em que o órgão que protagonizou a maior parte de sua vida está fadado a murchar". Apesar do definhamento, Kepesh se mostra maravilhado com os sentimentos que desenvolve por Consuela. A obsessão por ela será seu fim.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]