O tempo é o melhor amigo dos grandes escritores. É ele que os separa de seus colegas menos talentosos. Que garante a recompensa aos melhores entre todos, aos que se dedicaram dia após dia a melhorar seu estilo e aprimorar seus livros. Poucos dos que hoje freqüentam as listas dos mais vendidos e inundam as cabeceiras de leitores de todos os tipos vão se tornar perenes. Quantos desses autores, ao chegarem os 100 anos de seu nascimento, ainda merecerão um breve elogio, venderão, serão legíveis?
Erico Verissimo é um desses. No próximo dia 17, completa um século do gaúcho que se transformou em símbolo de bom escritor para dezenas de gerações. Autor de clássicos como a trilogia O Tempo e o Vento e Incidente em Antares, Verissimo continua sendo recolocado nas prateleiras todos os dias. Vende como pão quente e se mantém legível como um e-mail escrito ontem. E soa como uma frase que qualquer um de nós poderia ter escrito exceto pelo fato de que soa ao mesmo tempo límpida, como algo que a maioria das pessoas nunca conseguiria escrever.
Verissimo nasceu em 1905, na cidade de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. O primeiro conto saiu de suas mãos aos oito anos, no balcão da farmácia de seus pais. A carreira literária séria começou aos 26 anos. De 1932 até 1971, quando saiu seu último romance, publicou contos, biografias, livros infantis, relatos de viagens, romances. Deixou ainda dois volumes de uma auto-biografia que ficou incompleta, Solo de Clarineta. A morte o pegou a meio caminho do fim do livro que contava sua vida, em 1975.
Seus primeiros livros, datados da década de 30, são os de leitura mais fácil e também os mais simples. Clarissa, Caminhos Cruzados e Música ao Longe são histórias bem contadas pouco mais. O próprio autor, em sua conhecida modéstia, definiria todos eles, inclusive Olhai os Lírios dos Campos, que lhe deu fama e dinheiro como poucos imaginavam que seria possível a um escritor brasileiro, como "livros medíocres". Exagero, obviamente.
Com o tempo, ganhou o reconhecimento que lhe era devido. "O Erico Verissimo era um grande escritor, um grande estilista e, principalmente, um autor que queria ser lido", afirma Moacyr Scliar, conterrâneio e colega de profissão um dos incontáveis fãs do mestre gaúcho. Gente como Clarice Lispector afirmava que, ao contrário do que Verissimo dizia, seus livros eram profundos e importantes. Não Sou Profundo, aliás, é o título de uma entrevista feita pela própria Clarice Lispector com Verissimo para a revista Machete. Ela replicava que ele era "profundamente humano".
A fama definitiva veio com O Tempo e o Vento, série de três romances em que Verissimo descreve a saga de uma família do Rio Grande do Sul desde os tempos da povoação até o século 20. É nele que estão suas histórias mais famosas, como a de Ana Terra e do Capitão Rodrigo. O autor firmou-se como um best-seller. Ao lado de Jorge Amado, era um dos dois únicos brasileiros que viviam exclusivamente do que ganhavam com a sua atividade de literatura.
Além de bom escritor, teve seu reconhecimento ampliado pela personalidade. "Era um dos homens mais íntegros da literatura brasileira, um meio de ordinários marcado pela perversidade, pela inveja e pelas picuinhas", afirma o escritor curitibano Wilson Bueno, autor de Cachorros do Céu. Verissimo se recusava a aceitar rótulos políticos, mas se classificava como adepto de um humanismo socialista. "Ninguém como ele resistiu à hórrida ditadura brasileira de um modo tão silencioso e, talvez por isso mesmo, absolutamente eficaz", completa Bueno.
A auto-crítica que Verissimo mais costumava fazer era quanto a seu talento. Dizia que não se considerava um escitor importante, apenas um contador de histórias. Mas, ao mesmo tempo, afirmava que isso não era ruim. "Acontece que hoje em dia o romance tem invadido o domínio da psiquiatria, da sociologia, a política, da biologia, etc. E a todas essas a arte de contar histórias está ficando cada vez mais esquecida", disse em um artigo publicado em 1948, Conversa de Natal. Verissimo talvez apenas contasse histórias. Mas o fazia como muito pouca gente sabe fazer.
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