A premiação dada pelo júri presidido por Steven Spielberg aos melhores do 66.º Festival de Cannes, encerrado domingo, dá bem a medida do que foi a mostra francesa. Em ano de vacas relativamente magras, os jurados não cometeram nenhum disparate e nem se mostraram excêntricos. O que havia mesmo de melhor na seleção foi afinal reconhecido oficialmente. Daí o natural carinho e entusiasmo para com A Vida de Adele Capítulos 1 e 2", do franco-tunisino Abdellatif Kechiche. O filme obteve o raro consenso de haver seduzido a crítica internacional e o júri.
Na coletiva logo em seguida ao resultado, o diretor de Lincoln deixou claro que, muito além de ser a história de sexualidade franca e explícita entre duas mulheres, A Vida de Adele foi avaliado pelo júri como uma peça integral de cinema, e assim ela se mostrou excepcional.
O filme, já comprado para o Brasil pela distribuidora Imovision, é um prodígio intimista que Kechiche, ao receber a Palma de Ouro no palco do Grand Théatre Lumière, dedicou à "bela juventude francesa que me ensinou seu espírito de liberdade, e à outra juventude, argelina, que também anseia viver e amar livremente". Dedicatória duplamente politizada, já que a questão do casamento gay na França ainda gera graves conflitos, e a cicatriz da guerra argelina contra o colonialismo francês sangra ainda hoje.
Um épico a portas fechadas, profundamente íntimo em seus 180 minutos, A Vida de Adele narra o amor e o desamor entre duas jovens mulheres no decorrer do espaço de tempo existencial mais turbulento e transformador de suas vidas, quando devem tomar suas próprias decisões apesar do desconcerto e da insegurança.
A homossexualidade, em que pese a paixão avassaladora que a adolescente Adele (Adèle Exarchopoulos) sente por Emma (Léa Seydoux) à primeira vista, não é em absoluto o tema do filme, apesar das cenas de sexo mais francas e sem artifícios que duas atrizes já protagonizaram em qualquer filme não condicionado ao gênero pornográfico. Longe de ser motivo de exploração, de qualquer maneira elas não são nunca menos que imprescindíveis para a compreensão do atormentado amor passional entre as duas personagens. Com naturalismo a toda prova, Kechiche consegue uma proximidade física e emocional com suas belas mulheres que se pode dizer inédita no cinema contemporâneo.
Irmãos Coen
O júri atribuiu o Grand Prix a Inside Llewyn Davis, um filme no qual os irmãos Joen e Ethan Coen lançam seu humor ao universo da folk music no Greenwich Village dos anos 1960, sintetizado num personagem perdedor que nunca será um Bob Dylan. O japonês Tal Pai, Tal Filho, de Hirokazu Kore-eda, ficou com o Prêmio do Júri. O filme é um comovente retrato de dois casais de classes sociais diferentes que devem enfrentar o fato de seus filhos terem sido trocados na maternidade.