O diretor teatral Paulo Biscaia resolveu escrever uma peça "séria" e perdeu um amigo. "Ele disse que não fala mais comigo, porque agora estou fazendo teatro", conta, em tom de brincadeira. Acostumado às montagens descomprometidas da Cia. Vigor Mortis a mais recente foi Graphic, em que o diretor une as linguagens dos quadrinhos, do cinema e do teatro para falar, com humor ácido, das frustrações de três desenhistas em uma cidade grande , o amigo de Biscaia vai estranhar a dramaticidade da peça Pincéis e Facas, que estréia hoje, às 20h30, no Museu Oscar Niemeyer. A curta temporada no MON vai agradar o público, por uma boa razão as três apresentações serão gratuitas. No dia 7, a peça segue para o Espaço Teatro Regina Vogue.
O espetáculo trata da vida da artista plástica mexicana Frida Kahlo sem, no entanto, incluí-la como personagem. Depois do filme Frida, de Julie Taymor (2002), Biscaia conta que não fazia sentido criar um espetáculo biográfico. "Escolhemos um viés próprio, com base em elementos do universo da artista", conta. Os protagonistas são pessoas que Kahlo retratou em suas obras, como a irmã Cristina, a atriz norte-americana Dorothy Hale e um ex-guerrilheiro de uma das revoluções mexicanas e sua mulher. Suas histórias se misturam em acontecimentos com data marcada: o dia 2 de novembro, Dia dos Mortos, principal feriado do México.
Logo após Frida ter sofrido um aborto espontâneo, o marido de Kahlo, o também artista plástico Diego Rivera, a traiu com sua irmã, Cristina. A artista associou a crueldade a uma notícia que lera sobre o esfaqueamento de uma mulher. No interrogatório à polícia, o homem alegou que não desejava matá-la; havia dado "unos cuantos piquetitos" (umas poucas facadinhas). Nascia o quadro "Unos Cuantos Piquetitos", em que um homem olha para uma mulher nua em uma cama ensangüentada pelo corpo, com marcas de faca. O quadro inspirou o cenário claustrofóbico da peça criado por Guilherme Santana.
Biscaia conta que procurou humanizar Rivera, ao dividir a culpa de sua traição com Cristina. "É preciso de dois para dançar um tango. Ele não era um anticristo", diz o diretor. A própria Kahlo deu suas "facadinhas" ao retratar o suicídio de Dorothy Hale e entregar o quadro à família da atriz. "É um pequeno gesto de arte", redimiu-se a artista.
"A peça fala sobre a perda do juízo de valor, sobre gestos que não levam o outro em consideração", diz o diretor. Para ilustrar tanta tragédia, ele e Chico Nogueira aliaram sonoridades do México tradicional a músicas da banda Calexico, que mistura referências pop a guitarras mexicanas e mariachis.
Serviço: Pincéis e Facas. Museu Oscar Niemeyer (R. Mal. Hermes, 999), (41) 3350-4400. Texto, direção e imagens de Paulo Biscaia. Com Karla Fragoso, Marcilene Moraes, Fabiano Amorim, Sidy Correa, leandrodanielcolombo e Rafaella Marques. Dia 1.º, às 20h30, e dia 2, às 17 horas e 20h30. Entrada franca.