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Charles Darwin,  Mark Twain e William Blake e: “rabiscadores” ilustres valorizaram obras sem grande importância | Divulgação
Charles Darwin, Mark Twain e William Blake e: “rabiscadores” ilustres valorizaram obras sem grande importância| Foto: Divulgação

Trancado num cofre climatizado na Biblioteca Newberry, um volume intitulado The Pen and the Book [algo como "A Pena e o Livro-Caixa"] só pode ser consultado sob a vigilância de câmeras de segurança. O livro, sobre como ganhar di­­nheiro na área de publicações, dificilmente poderia ser classificado como uma obra-prima da literatura. Mas é muito valioso porque um leitor escreveu nas margens de suas páginas.

O autor das observações é o romancista norte-americano Mark Twain, que anotou, entre outras coisas, um argumento de mão-única criticando o autor, Walter Besant, porque "nada poderia ser mais estúpido" do que usar a publicidade para vender livros como se fossem "bens essenciais", como "sal" ou "tabaco". Em outra página, Twain faz comentários maldosos sobre as grandes somas pagas a outra autora, sua contemporânea Mary Baker Eddy, fundadora da [organização religiosa] Christian Science.

Como muitos leitores, Twain tinha esse costume de escrever comentários ao lado de certas passagens e, às vezes, dar a conhecer ao autor do livro um pouco do que estava pensando. É um passatempo literário rico, às vezes considerado um recurso de arqueologia literária, mas cujo destino é incerto num mundo digitalizado.

"As pessoas sempre vão encontrar uma maneira de anotar eletronicamente", diz Thomas G. Tanselle, ex-vice-presidente da John Simon Guggenheim Memorial Foundation e professor adjunto da área de Letras na Universidade de Columbia. "Mas há a questão de como essas anotações serão preservadas. E esse é um problema que os acervos estão enfrentando."

Esse é o tipo de questão com que se preocupa o Caxton Club, grupo literário fundado em 1895 por 15 bibliófilos de Chicago. Em parceria com a Newberry, a entidade patrocina, em março, um simpósio intitulado Other People’s Books: Association Copies and the Stories They Tell ["Livros de Outras Pessoas: Exemplares Anotados e as Histórias que eles Contam"].

O simpósio marca o lançamento de um novo volume de 52 ensaios sobre as chamadas association copies – exemplares que pertenceram a autores ou contêm anotações suas – e abrirá espaço para reflexões sobre como elas enriquecem a experiência da leitura. Os ensaios falam de obras que ligam o presidente Lincoln ao poeta britânico Alexander Pope; A novelista inglesa Jane Austen a seu colega e conterrâneo William Cooper; o poeta e ensaísta americano Walt Whitman ao abolicionista Henry David Thoreau, também dos Estados Unidos.

Essa prática das anotações foi mais comum no século 19. O poeta e filósofo inglês Samuel Taylor Coleridge foi um prolífico rabiscador de margens, assim como o poeta e pintor William Blake e Charles Darwin. No século 20, isso geralmente passou a ser considerado pichação de livros: algo que pessoas educadas e respeitosas não fariam.

Paulo F. Gehl, curador da Biblioteca Newberry, culpa gerações de bibliotecários e professores por "nos ter incutido a ideia" de que escrever nos livros equivaleria a "estragá-los ou danificá-los".

Mas a prática nunca desapareceu. Quando Nelson Mandela foi preso na África do Sul, em 1977, um exemplar das obras de Shakespeare circulou entre os detentos. Mandela escreveu seu nome junto à passagem de Júlio César que diz: "Morre vivo mil vezes o covarde".

Conversa ruidosa

O historiador Studs Terkel, famoso especialista em história oral, ficou conhecido por censurar os amigos a quem emprestava seus livros e, depois de lê-los, devolviam-nos sem anotar nada. Dizia a eles que a leitura de um livro não deve ser um exercício passivo, e sim uma conversa ruidosa.

David Spadafora, diretor da Newberry, diz que as anotações enriquecem um livro, na medida em que seus leitores inferem outros significados e emprestam-lhe contexto histórico. O acervo da Newberry inclui um exemplar encadernado de The Federalist ["O Federalista"] que pertenceu a Thomas Jefferson. Além de ter marcado suas iniciais no livro, Jefferson colocou as de cada um dos pais fundadores ao lado de seus ensaios, que originalmente foram publicados como anônimos.

"É muito interessante ter nas mãos um livro em que o próprio Jefferson pegou", diz Spadafora. "Se, além disso, soubermos quais livros estavam em sua biblioteca nos anos que antecederam a redação da Declaração de Independência, isso nos diz algo sobre o que poderia ter inspirado seu intelecto."

Por meio de anotações em livros, a roteirista Rose Caylor deixou impressões sobre o marido, o dramaturgo Ben Hecht. Em seu exemplar de A Child of Century ["A Criança do Século"], de autoria de Hecht, ela desenhou uma seta apontando para um ponto queimado numa página. "Acendia fósforos nos livros", observou sobre o autor, que era fumante.

Alguns amantes da literatura chegam a delirar, achando que certas marcas foram deixadas para que eles as encontrassem. Em seu poema Marginalia [algo como "Às Margens da Página"], Billy Collins, consagrado poeta americano, escreveu sobre como um leitor anterior conseguiu mexer com as paixões de um menino que, iniciando o ensino médio, lia O Apanhador no Campo de Centeio. Conforme descreve o poema, ele notou "algumas manchas de gordura nas margens" e uma mensagem escrita "com pulso macio – por uma linda garota, certamente". Dizia o seguinte: "Me desculpe pelas manchas de maionese, mas estou apaixonada".

Tradução de Christian Schwartz.

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