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Dante Mendonça: resgate histórico com humor | Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Dante Mendonça: resgate histórico com humor| Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
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Lançamento

Maria Batalhão: Memórias Póstumas de uma Cafetina

Dante Mendonça. Editora Esplendor, 288 págs., R$ 45. Romance.

Dalton Trevisan ganhou o apelido de "vampiro de Curitiba" não apenas por ser este o título de um dos seus livros mais famosos, mas também por viver nas sombras e "sugar a essência vital" de personagens populares da cidade, matéria-prima para as suas histórias geniais. Pois não é que, 47 anos depois do lançamento de O Vampiro de Curitiba, Dalton vai agora provar do próprio veneno?

Graças ao cartunista, jornalista e escritor catarinense – radicado em Curitiba desde 1970 – Dante Mendonça, que acaba de lançar o seu primeiro romance, Maria Batalhão – Memórias Póstumas de uma Cafetina. Para criar sua trama, Dante içou da memória as experiências reais com o então amigo Dalton – e outra turma da pesada, que incluía Fábio Campana, Jamil Snege, Walmor Marcelino e Aramis Millarch, entre outros – nos bordéis e boates da moda na capital paranaense nos anos 1970, e costurou-as com uma personagem esquecida no início de um dos livros de Lima Barreto, para montar um interessantíssimo retrato do lado escuro da boemia curitibana: o universo do sexo pago.

"Curitiba é o bataclan do Dalton Trevisan, né? A primeira vez em que eu fui a um bordel em Curitiba foi com o Dalton e aquela turma toda", conta Dante Mendonça. "Eu devia ter uns 20, 21 anos, já trabalhava em jornal e era amigo deles. Na Praça Osório havia uma grande boate, a Stardust, e eu fui com o pessoal até lá. Claro que eu não tinha dinheiro para fazer nada, então fiquei observando o Dalton: ele ia até o balcão do bar, tomava uma água ou uma Coca-Cola, pagava uma cuba libre ou um uísque para uma das moças, e ficava batendo papo com ela a noite inteira, logicamente levantando informações. Mas ele não ‘consumia’ nada", ressalta. "E eu fiquei com aquelas noites na memória."

A ideia primordial para o livro, entretanto, partiu de Eduardo Sganzerla, editor de Dante. "Um dia, uns cinco anos atrás, ele comentou que não havia nenhum registro sobre a vida noturna de Curitiba, principalmente no que diz respeito às casas de tolerância. Como eu digo no livro, além da sífilis, a amnésia fez muito mal para a história da vida noturna da cidade", observa.

Já o "gancho" para a história foi fornecido por Lima Barreto: "Há uns três anos, eu li As Aventuras do Dr. Bogoloff, e aquela primeira parte, em que o doutor parte de Odessa e encontra uma garota no navio, que atravessa o oceano para se prostituir em Buenos Aires no lugar da irmã, me intrigou muito. Mas o Lima Barreto só explica que ela sai da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, e é encaminhada para uma colônia agrícola no Sul do país. Depois disso, não se fala mais nada sobre ela no livro", lembra o escritor.

"Pô, se a tal mulher era ucraniana e foi mandada para uma colônia agrícola no Sul, só poderia ter ido para Prudentópolis!", raciocinou Dante. "Foi aí que me veio a ideia para o começo do livro: pegar aquela personagem e dar vida a ela, fazendo-a percorrer a história e ao mesmo tempo contar como era a vida nos bordéis naquela época."

Partindo da metaliteratura com Lima Barreto, Dante Mendonça também sentiu a necessidade de contextualizar a obra, valendo-se de dados históricos, geográficos, sociológicos, comportamentais e até arquitetônicos e urbanísticos. "Nesse aspecto, acho que a grande influência foi Umberto Eco. Eu sou apaixonado por ele, porque, além do humor e da história envolvente, que você lê num fôlego só, há um intenso trabalho de pesquisa, cada parágrafo tem um monte de história. Não se joga nada fora", destaca. "E as informações estão todas aí! Eu tenho na minha casa uma biblioteca excelente de literatura paranaense, graças principalmente à minha mulher, a Maí [Nascimento Mendonça], que foi diretora da Casa da Memória. Mas também pesquisei bastante na Casa Romário Martins e na Casa da Memória, onde há um acervo fantástico de publicações sobre mobiliário urbano, zoneamento, a Curitiba nos tempos da Revolução Federalista, o trabalho das mulheres e a própria arquitetura da época."

Não satisfeito, Dante Mendonça resolveu pinçar pessoas e acontecimentos reais, de diferentes épocas, e misturá-los com personagens fictícios, em episódios históricos diversos. "A Maria Sete Pelos, de quem eu falo no livro, existiu de verdade. Li sobre ela numa edição especial do Diário Catarinense sobre a Guerra do Contestado; o doutor Galo Cego é inspirado num amigo meu, cego de um olho, que tinha esse apelido. Eu precisava de alguém que falasse de sífilis, gonorreia e de como era a relação com as doenças venéreas na época. Para isso, criei este médico. E o próprio general Picasso foi um oficial importante, que era gay e pintava quadros", ilustra.

Ao optar por uma narrativa tão complexa em seu primeiro romance – seus outros sete livros são basicamente de humor –, Dante Mendonça corria o risco de confeccionar uma colcha de retalhos, uma salada indigesta que poderia confundir mais do que esclarecer a respeito do delicado tema sugerido. Mas ele escapou da armadilha com louvor: escreveu com elegância e competência, sem abrir mão do seu humor característico. E as múltiplas referências, além de contextualizar a obra, fornecem subsídios que permitem saboreá-la ainda melhor. Ou seja, você imagina que vai ler uma historinha despretensiosa sobre bordéis, e acaba aprendendo sobre a Revolução Federalista, a Guerra do Contestado, o tráfico internacional de mulheres, a vida de personagens históricos e os hábitos e costumes no início do século – tudo isso ambientado em ruas, praças e imóveis bem conhecidos de todos os curitibanos. Em resumo: é diversão garantida.

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