• Carregando...
 | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo
  • Capa do novo disco de Alexandre Nero: ator e músico curitibano já integrou o Grupo Fato e a banda Maquinaíma

O motorista Baltazar, da novela Fina Estampa, atualmente em exibição no horário das nove da TV Globo, é violento e preconceituoso, tipicamente "do mal". Já o curitibano Alexandre Nero, que dá vida ao personagem, está cheio de amor para dar e vender. Ele acaba de lançar o disco Vendo Amor, em Suas Mais Variadas Formas, Tamanhos e Posições. A oposição entre a vida real e a da novela não foi proposital. O disco vem sendo criado há três anos, muito antes de Nero saber que faria o papel de Baltazar. No entanto, a "bipolaridade" serve para distanciar o ator do cantor-compositor, que estreou em disco em 1995, mas que desde 2007 não lançava um trabalho musical. Retornou provocativo, cheio de duplos sentidos e canções que vão do amor romântico ao sexual. Nesta entrevista ele fala um pouco do CD, e da carreira de músico, bem menos conhecida do que aquela nas telas de tevê.

Explique o projeto deste CD e a escolha do tema "amor".

Basicamente, esse projeto vem de uma característica muito própria. Eu sou "do contra" [risos]. Me divirto com isso. Gosto de provocar, com humor. Participando da novela Paraíso, na qual o universo era sertanejo – tinha inclusive o cantor Daniel, de quem fiquei muito amigo –, fazíamos muita roda de viola e cantoria. Eu não sou desse universo. Minha influência é do batuque, do tambor, do suingue e do canto gritado do rock, mas me encantei com tudo aquilo. Como todos sabemos, essas canções sertanejas basicamente falam de amor. Isso na minha tribo é sempre tido como clichê, todo brega, serve só pra vender etc. Foi aí que comecei a me questionar se esse tema realmente estava esgotado. Aquilo me instigou, e, sabendo que meus amigos e artistas do meu nicho iriam pensar que eu seria um cara cafona de falar sobre isso, aquilo me atiçou mais ainda. Queria provocar. Comecei a buscar e estudar o amor. Fui atrás de canções sobre o tema, e tentei no mostrar CD – ainda que de maneira limitada – vários tipos de amor, não só o amor romântico, que é o mais popular no nosso tempo. Queria também falar de um amor maior, do amor ao mundo, do amor ao próximo. Um tema tão corriqueiro, e com tão pouco uso prático no dia a dia. Senti um tema, que apesar de tão usado, mastigado, gasto ainda é necessário ser dito. Acredito que os três sentidos de "vendo" (vender, ver e vendar) no título do CD explicam bem o que eu queria dizer.

De que maneira o Rio de Janeiro, onde você está morando, influenciou?

Quando cheguei aqui, não tive como não perceber que a música que domina é o samba, o funk, o suingue. Mais uma vez minha vontade de nadar contra a maré. Pensei: "No Rio eles não precisam mais de suingue. Vou fazer outra coisa". Saí do meu lugar comum. Fui atrás de uma sonoridade distante pra mim, fui novamente buscar, estudar. E foi com o som das bandas de coreto, das bandas de fanfarra, bandas marciais, ao som do realejo que me encantei e mergulhei. Quis cantar suave. Não quis gritar no CD. Queria fazer um som que desse paz ao ouvinte, tranquilidade. Aquele disco, que, se colocado numa festinha, seria um fracasso. Era esse que eu queria.

Duas músicas são muito conhecidas do público, "Carinhoso" e "Não Aprendi Dizer Adeus". Nas duas você desconstruiu as versões anteriores. É preciso ter coragem para fazer isso. Como foi essa decisão? Você já vinha praticando essas canções em shows ou encontros musicais? Teme que as pessoas façam comparações com as gravações mais conhecidas?

Eu não temo que comparem, eu quero que comparem. Foi para isso que regravei. Não vejo motivo em regravar uma música se você não tem nada seu para colocar ali. Sempre quis regravar uma música conhecida. Nunca tinha feito, a não ser com o Grupo Fato, com o qual regravamos "Águas de Março". Transformar uma canção já conhecida, e colocar num outro lugar, com uma nova roupa, mostrar para as pessoas no que ela pode se transformar, isso sempre me instigou. Achava linda a música "Não Aprendi Dizer Adeus", que, aliás, foi um grande sucesso na voz da dupla Leandro e Leonardo, mas para as pessoas da "minha tribo", do meu universo, ela é ruim, brega, cafona. Discordo! Sempre pensaram assim por causa da roupa. Nunca foram a fundo nela. É uma belíssima canção popular, e tentei colocá-la numa estética mais "requintada", com piano, sopro e cantada delicadamente.

E "Carinhoso"?

Ia ser só uma regravação, mas durante meus estudos sobre o tema, eis que descubro que "Carinhoso" é um dos primeiros registros de canção que fala do "amor romântico" (um conceito pós-Revolução Francesa, quando começaram os primeiros indícios da ideia do "morrer por amor", do "até que a morte nos separe"), esse amor que conhecemos hoje. Achei importante registrar isso. Além disso, a música é talvez a mais conhecida do país. Faltava descaracterizá-la. Não queria gravá-la como chorinho ou samba-canção. Tiramos as harmonias dissonantes e deixamos que a cama de sopros a conduzisse. Acho emblemático colocar "Carinhoso" e "Não Aprendi Dizer Adeus" no mesmo CD. É quase misturar a corte com a plebe. É rarear o vulgo e vulgarizar o raro.

A última música, "Lave, Leve, Love", diferencia-se do resto do CD. É só você e violão e dá a entender que foi acrescentada aos 45 do segundo tempo, quando tudo já estava gravado e você foi "testar" uma última música recém-escrita. Foi espontâneo? Como surgiu esta canção e a decisão de incluí-la no CD daquele jeito?

Foi premeditado, mas só por mim [risos]. O Gilson [Fukushima, produtor do CD] não sabia de nada, e nem poderia saber. Estávamos no processo final de gravação, e o Gilson, responsável pelos arranjos, teve que fazer muitas mudanças de última hora. Como disse, "Carinhoso" foi uma ideia que tive nos 45 minutos do segundo tempo. Se eu chegasse pro Gilson dzendo que queria colocar mais uma faixa, era capaz de ele surtar. Pois bem, "Lave, Leve, Love" era uma música que eu queria no CD, mas não conseguia terminá-la. Quando achei que estava encerrada já era tarde demais para fazer arranjos. Fui e gravei como quem não queria nada, apenas para "registrar". Fizemos uns cinco ou seis takes e todos gostaram. A segunda fase do plano era convencer o Gilson a colocá-la no CD, pois saía bastante da estética que estava sendo proposta no disco. O CD é meu e eu poderia "mandar e pronto", mas digo convencer, por que o Gilson é produtor, parceiro e amigo de longa data. Tenho respeito pela opinião dele. Se ele definitivamente achasse inviável eu não a colocaria. No meio das edições, o Gilson achou uma gravação, na qual eu falava que "ela não entraria no CD", e ele deixou colocá-la, desde que essa frase antecedesse a música. Achei ótimo, ela entra ali quase como um "bônus", pois considero que, como concepção artística, o disco acaba em "Cadê Meu Jardim?".

Como é a relação entre o músico e o ator? Um ajuda o outro ou um atrapalha o outro?

Como tudo, dois lados. Ajuda e atrapalha. Ajuda, porque posso transitar pelos dois trabalhos. Quando me sinto esgotado em um, vou para o outro, e vice-versa. Atrapalha, porque quando estou em um, e tenho alguma ideia para o outro, fico angustiado. Fico sempre dividido. O músico me ajuda no ator, pois minhas falas podem ser mais musicais. Penso muito na música quando atuo. O ator me ajuda no músico, pois me sinto mais à vontade e consigo me portar melhor no palco. Em relação a ter me tornado um ator popular, que faz novela na maior rede da América Latina, isso facilita na divulgação do CD e também aumenta a curiosidade do ouvinte. O que dificulta é o preconceito. Para que as pessoas entendam que não sou um "ator que canta" e sim um músico, cantor, compositor, além de ator vai algum tempo. Mas eu não tenho pressa [risos].

Serviço

Vendo Amor, em Suas Mais Variadas Formas, Tamanhos e Posições, de Alexandre Nero. Discobertas, Preço médio: R$ 24,90.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]