Palco Warung Stage na Pedreira Paulo Leminski| Foto: Gustavo Remor/Divulgação

A música eletrônica merece atenção. Isso não significa dizer que os artistas do gênero estejam carentes de espaço ou de público, pelo contrário. Cada vez mais, DJs profissionais tornam-se personalidades famosas e muito bem remuneradas - seus cachês podem chegar até 40 mil dólares.

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Essa realidade pôde ser vista de perto no último sábado (16), na Pedreira Paulo Leminski, que recebeu pela terceira vez o Warung Day Festival. O evento reuniu atrações nacionais e internacionais, levou oito mil pessoas para dançar durante dez horas, exibiu uma estrutura funcional e decoração sóbria, com pequenas inserções psicodélicas.

Se de um lado, a música eletrônica goza de um gradual aumento de oferta e demanda, de outro, sua repercussão não transcende os nichos. A autossuficiência econômica talvez explique o centrismo desta produção artística, mas há também fatores externos.

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Uma das atrações do festival, o DJ e produtor Ricardo Albuquerque, disse, em entrevista à Gazeta do Povo, que existe uma mudança de hábito entre os brasileiros, cada vez mais atentos à música conceitual, mas reconhece as resistências.

“Esse nicho se ampliou, mas no Brasil a anticultura ainda é muito forte. O que noto também é que a maioria dos brasileiros nunca teve a oportunidade de vivenciar festas de música eletrônica que realmente a toque”, explica.

Visão conservadora entre os músicos

No campo das ideias, entre amantes, especialistas e profissionais da música, existe uma certa visão conservadora, que vê na instrumentação eletrônica e na sua estética motivos de arte menor.

Para o músico e produtor Bruno Kayapy, guitarrista da banda Macaco Bong, com o passar do tempo, desde o período clássico, a música eletrônica provou que é o estilo mais influente em toda a história da música, além de revolucionária, pois rompe com o sistema tonal de Bach.

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“Neste gênero (música eletrônica/noise music) você troca o uso do toque de notas musicais por modulações de frequências, ou seja, o que a música clássica ensinou diante de notas musicais, a música eletrônica ensina da mesma forma e já desenha o futuro da música, substituindo a nota musical pelo ruído tonal. Portanto jamais deve ser encarada como um tipo de arte menor. Ela está avançada em muitos sentidos”, defende Kayapy.

É claro que a legitimidade e as virtudes de uma obra não dependem de aprovação externa. Mas entre outras coisas, o espaço a que se nomeia mainstream deve ser ocupado por produções que merecem atenção, acolhidas por argumentos que estimulem seu entendimento.

Mais alto que o Motörhead

A música eletrônica é festiva, executada em níveis de decibéis de dar inveja ao Motörhead (considerada a banda mais barulhenta do mundo), composta por elementos sintéticos, mas não menos introspectiva, melancólica e romântica. Sua experiência, inclusive, flerta com a espiritualidade.

Essas são algumas das asserções cabíveis aos sets que embalaram o Warung Day, com variações de teor para cada DJ.

“As vertentes são várias, cada artista traz consigo gravações que coleciona por onde passa e alguns expressam sua arte criando sons na hora, no que chamamos Live. Dentre algumas vertentes deste sábado, ouvi Techno, House, Tech House, Progressive House, Deep House, Dub Techno e Electrônica, esse último um dos mais emergentes do momento”, esclarece Albuquerque.

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A festa

Dentro da seleção natural imposta pelo valor dos ingressos e da água vendida a dez reais, é possível dizer que, se comparado a outros festivais de mesmo porte, o Warung Day Festival é uma festa democrática.

Isso porque no último sábado, a Pedreira recebeu pessoas de diferentes gerações, alguns beirando a terceira idade. Dividido em três palcos, o Festival é uma grande celebração da música eletrônica. Ela está em todos os lugares. À beira do lago, onde o dragão e os hipopótamos decorativos parecem vivos, o público pode descansar nos assentos espalhados pela margem.

É possível dançar ali mesmo, apreciando a música com certa distância. Mas para uma experiência plena, é preciso mergulhar no interior de um dos stages. Só assim é possível sentir a vibração dos graves encostar a pele.

Na Pedreira Stage, a decoração remetia à arquitetura do “templo da música eletrônica”, o Warung Beach Club. Ali passaram oito DJs, entre eles, o alemão Recondite, que apresentou um elegante set live de Techno e Deep House.

O belga LouLou Players, antigo conhecido do Warung, lotou o Garden Stage com um Techno House cheio de linhas vocais e temas ensolarados. Além dele, outros dez artistas se apresentaram no pequeno palco à margem do lago.

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Ornamentado por gigantes dragões coloridos, o Warung Stage determinou o encerramento da festa com a apresentação da dupla alemã Tale of Us. Conhecidos pela organicidade de seus samples, colhidos em meio à natureza, o duo impressionou o público com graves gordurosos e ruídos que invocavam os espíritos da floresta.

Sem dúvida, o Brasil ocupa um lugar de prestígio no roteiro internacional de música eletrônica, mas há conquistas pela frente. “Faltam apenas DJs brasileiros figurando entre os grandes nomes mundiais e mais clubs de ponta para que possamos realmente ser considerados fortes no meio. Já há um crescimento sem igual em ambos, mas a estrada é longa”, assegura Albuquerque.

O rito

O ambiente segue o ritual dos grandes clubes, com a diferença da paisagem cinematográfica e o ar puro da Pedreira. As pick-ups dos DJs ficam “ilhadas” entre pista, camarotes e combos caríssimos de bebidas alcoólicas. Mas ainda assim, o que mais se vende lá dentro é água. Por isso, os dez reais por garrafinha.

Apesar do inerente clima festivo, existe em paralelo uma introspecção coletiva. Quem está na pista se concentra na música. A interação acontece por meio de olhares e sorrisos. Para dançar livremente, é necessária uma área mínima. Esta área é entendida como direito e por isso, é respeitada. Há espaços largos entre um e outro mesmo em frente à grade que separa público e artista. A livre expressão corporal é condição institucionalizada nos circuitos eletrônicos.

Como escreveu Tales Ab’ Sáber em seu livro “A Música do Tempo Infinito”, “o músico tecno se move o tempo todo. Seu corpo pulsante é parte constitutiva do espetáculo (...) espécie de Sísifo do nosso tempo.”

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Os DJs Boghosian e Albuquerque durante apresentação no palco Warung Stage
DJ Renato Ratier ao fim da sua apresentação no palco Warung Stage
Evento apresentou uma mega estrutura, com três palcos bem distribuídos pela Pedreira Paulo Leminski