Quando Alfred Hitchcock decidiu fazer Psicose, seu filme mais conhecido pelo grande público, ele tinha uma idéia na cabeça: gastar o mínimo possível. Não foi, contudo, uma decisão movida apenas por razões de ordem econômica. O diretor, depois de realizar o bem-sucedido e caro Intriga Internacional, queria voltar às suas raízes de produções de baixo orçamento, há muito deixadas para trás, em seus dias de cinema britânico.
Ao invés de trabalhar com a custosa infra-estrutura de uma produção hollywoodiana classe A, Hitchcock optou por rodar Psicose com a equipe de seu cultuado programa de televisão. Também trocou a fotografia sofisticada e colorida do thriller estrelado por Cary Grant pela película em preto-e-branco, a serviço de uma narrativa com longas seqüências de pouco ou nenhum diálogo algo pouco comum no cinema mainstream da época e mais afinado com a revolução que a Nouvelle Vague fazia na Europa. Deliberadamente, o cineasta rodou o filme com apenas US$ 800 mil, uma quantia modesta até mesmo para os padrões da indústria em 1960. Tanto que o Bates Motel e a fantasmagórica mansão que serviram de cenário para boa parte da trama foram construídos nos estúdios da Universal.
Todas essas e muitas outras informações sobre o processo de produção de Psicose estão presentes nos extras da edição dupla em DVD que o estúdio agora lança no mercado nacional. Trata-se de um documento imprescindível para quem deseja compreender a importância de um pequeno grande filme que mudou, definitivamente, a história do cinema de terror e suspense.
Na longa entrevista concedida por Hitchcock ao cineasta e crítico francês François Truffaut, publicada, no Brasil em forma de livro pela companhia das Letras, o diretor britânico conta que, ao fazer Psicose, estava, em suas palavras, "dirigindo o público, brincando com os sentidos dos espectadores assim como se toca um instrumento". Talvez por conta dessa intenção assumida de manipular a audiência, o filme teve um impacto tão profundo junto à opinião pública. E isso já começara na campanha publicitária que antecedeu o lançamento.
Anúncios em jornais e revistas pediam que "as surpresas da história não fossem reveladas" e, sobretudo, que ninguém entrasse nas salas de projeção depois de a sessão iniciada. Possivelmente para que não fosse descoberto que a suposta protagonista, Marion (Janet Leigh), sumia de cena ao final do primeiro terço do longa-metragem, assassinada brutalmente no chuveiro, em uma das mais citadas e importantes seqüências já filmadas.
Essas "surpresas" são hoje conhecidas por todos, até mesmo por quem jamais assistiu ao filme do princípio ao fim. O que continua intrigando, no entanto, é o fato de, apesar de contar uma história de amplo domínio público, Psicose ainda assustar e intrigar os espectadores.
As explicações desse fascínio podem ser múltiplas, mas residem, principalmente, na habilidade de Hitchcock ao construir o breve, porém significativo primeiro terço da trama, quando acontece o encontro entre Marion e seu algoz, vivido pelo então pouco conhecido Anthony Perkins.
A protagonista, apesar de tecnicamente uma contraventora que faz um desfalque na firma onde trabalha, comete o delito por uma "razão nobre". Por amor ao amante (John Gavin), que a induz a pegar o dinheiro para viabilizar o sonho de uma vida em comum. Nesse aspecto, Hitchcock a apresenta muito mais como heroína do que como vilã. Bates, por sua vez, surge na tela como um jovem tímido, até gentil, apesar de estranho.
O diretor consegue apresentá-lo de tal forma que, cometido o assassinato, o público, mesmo suspeitando de sua culpa, não consegue odiá-lo. Chega ao extremo de torcer para que ele consiga esconder o corpo e siga com sua vida, por mais bizarra que seja. Afinal de contas, o crime foi, teoricamente, cometido por sua mãe, uma mulher edipiana que não permite que seu garoto tenha pensamentos impuros. Por conta dessa ambigüidade, a cena na qual Norman afunda o carro de Marion em um pântano talvez seja uma das mais importantes e emblemáticas de Psicose. É como se, para superar o trauma do desaparecimento da personagem, estivéssemos tentando, junto ao dono do motel, ocultá-la, apagá-la da memória.
Entre os inúmeros achados de direção e estilo de Hitchcock, a seqüência do chuveiro, na qual Marion é esfaqueda, merece especial atenção. Ao contrário do que se vê hoje em nove entre dez filmes do gênero, o diretor evita o que em Hollywood chamam de gore (terror explícito, com direito a sangue e vísceras). Prefere utilizar-se da genial trilha sonora de Bernard Herrmann como ponto sonoro para as dezenas de estocadas que tiram a vida da personagem. Vale lembrar que o chuveiro, para que não molhasse a lente da câmera, foi instalado no chão, e cada plano foi desenhado aos mínimos detalhes, do momento em que Marion começa a se despir, sob o olhar voyeurístico de Bates (e do público), até o close-up da pupila inerte da (anti)-heroína, caída no chão chão do banheiro. Golpe de mestre. GGGGG
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