Uma tela de Caravaggio, pintada em 1602, desaparecida há dois séculos e reconhecida apenas por meio de cópias, é reencontrada em uma residência de jesuítas em Dublin, Irlanda. Um historiador, uma pesquisadora e um restaurador são personagens na história real que reúne elementos de um bom romance de mistério. Ao menos essa é visão defendida por Jonathan Harr em O Quadro Perdido (Tradução de Adalgisa Campos da Silva. Intrínseca, 292 págs; R$ 44).
Em meados dos anos 90, Harr escreveu um texto para a The New York Times Magazine sobre a descoberta, feita em 1990, de "A Prisão de Cristo", de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 1610). De início, percebeu que o assunto renderia muito mais que apenas um artigo, mas teve de se dedicar a outros projetos até poder retomar, em 2004, o desejo de escrever O Quadro Perdido.
"Por natureza, costumo fazer pesquisas extensas e terminei o artigo com muito mais material do que poderia usar no espaço que tinha", lembra Harr em entrevista ao Caderno G. O livro logo conseguiu a proeza de agradar público (tornando-se um best seller) e crítica (apontado como um dos dez melho-res títulos do ano passado, segundo o jornal The New York Times).
Apreciador de arte "seria ridículo me propor a escrever sobre o assunto se não fosse" , Harr conta que pesquisou cerca de 80 livros e mais de cem textos de jornais e revistas relacionados a Caravaggio. Entre entrevistar, pesquisar e escrever, o autor diz que prefere o primeiro. "Escrever é o mais difícil, é a parte repleta de incertezas e dúvidas." Ele admite que demora mais na pesquisa também para atrasar o momento em que terá de colocar as informações e idéias no papel.
O Quadro Perdido é dividido em cinco partes e relata três episódios distintos, relacionados à obra sumida de Caravaggio. O capítulo inicial fala sobre o historiador sir Denis Mahon, um senhor inglês nonagenário, referência mundial quando o assunto é o pintor italiano. Uma figura romântica, colecionador ávido de arte que nunca teve um trabalho do artista ao qual dedicou boa parte de sua vida.
A pesquisadora romana Francesca Cappelletti aparece na se-gunda parte, contratada para pesquisar os quadros da Galeria Capitolina. Ela e a amiga, Laura Testa, são levadas a seguir as pistas de uma outra obra de Caravaggio, "São João", mas acabam encontrando informações valiosas sobre "A Prisão de Cristo".
"Virtualmente todo o trabalho histórico e de arquivo foi feito por Francesca e Laura Testa, e mais tarde por Benedetti", explica Harr, referindo-se ainda ao restaurador italiano Sergio Benedetti, alvo do terceiro capítulo. Ele foi o homem que reconheceu, em uma parede de uma residência jesuíta, o quadro perdido. A descoberta levou três anos para ser divulgada tempo necessário a todos os testes que comprovaram sua autenticidade (descritos por Harr na narrativa).
A tela retrata o instante em que Jesus Cristo é levado por soldados romanos para o início de seu martírio. Hoje, ela é, sem dúvida, a peça mais importante no acervo da National Gallery da Irlanda, local onde trabalha Benedetti.
Harr conta que seu interesse por Caravaggio começou com uma exposição realizada no Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, em 1986. "Eu conhecia o essencial da biografia de Caravaggio e fiquei perplexo pelo poder de seus trabalhos. Eu preciso dizer que eu não era e ainda não sou tão fã do barroco tardio de artistas como Poussin. Mas Caravaggio é uma experiência visceral e imediata."
Parte da imprensa procurou relacionar O Quadro Perdido ao Código Da Vinci, de Dan Brown, apesar de terem em comum apenas o mundo da arte. "Embora eu não me importasse de ter o sucesso de Dan Brown", brinca Harr.
Cinema
O escritor havia vencido o prê-mio Pulitzer pelo livro de não-fic-ção A Civil Action, adaptado ao cinema com o título brasileiro de A Qualquer Preço e estrelado por John Travolta. "Foi uma grande experiência para mim. Muitos escritores são deixados de lado, mas eu fui convidado a participar. Passei um tempo no set de filmagem e li todas as versões do roteiro. Eu não tenho reclamações."
Porém, afirma que seu "negócio" é escrever livros e não fazer filmes. Sobre os primeiros, ele não tem nenhum projeto em vista. "Ainda estou procurando algo que possa fazer. Não é fácil. Você percebe que vai passar os próximos anos de sua vida em um projeto, então é importante escolher sabiamente. Eu nem sempre confio na minha habilidade de fazer isso."
Quanto ao cinema, O Quadro Perdido teve seus direitos adquiridos pela Miramax, mas a produção ainda não começou. Na opinião de Harr, é mais fácil rodar um filme do que publicar na The New Yorker desde o lançamento de A Qualquer Preço, ele teve dois artigos recusados pela revista.
Deixe sua opinião