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Ela chamava Hemingway de Ernest e Fitzgerald de Scott, mostrando intimidade com dois dos maiores escritores americanos do século 20, integrantes da geração que Gertrude Stein apelidou de "perdida". Todos eram americanos, viviam na capital francesa e estavam de alguma forma ligados ao mundo literário. Menos famosa que seus amigos, Janet Flanner viveu por 50 anos como correspondente da revista The New Yorker. Uma parte significativa dos textos que produziu estão em Paris Era Ontem (Tradução de Sônia Coutinho. José Olympio, 354 págs., R$ 42).

Janet trocou os EUA pela França em 1922, depois de viver um casamento frustrado – mais tarde, ela assumiria uma relação com outra mulher. Na Europa, escrevia para o ex-marido e para a amiga Jane Grant, mulher de Harold Ross, que assumiria a direção da The New Yorker em 1925. No prefácio do livro, o escritor James Campbell especula se Jane não teria lido as cartas da amiga para o marido, pois Ross perguntou se ela não estaria interessada em enviar para a revista "material anedótico e casual, familiar aos americanos (...), informações sobre os territórios da arte e um pouco de moda, talvez". Sim, ela estava.

O tom dos textos deveria ser exatamente como o de suas correspondências. Assim surgiu a sessão "Carta de Paris", publicada de 1925 a 1975, com um pequeno intervalo durante a Segunda Guerra Mundial, época em que a escritora voltou para Nova Iorque e, no seu lugar, ficou A. J. Liebling.

Paris Era Ontem reúne textos de 1925 a 1939 e mostra como algumas impressões de Janet Flanner eram equivocadas – da crítica que fez ao show La Revue Nègre, da dançarina Josephine Baker, até a tendência de não ver em Hitler uma ameaça tão grande. A primeira mereceu inclusive um mea culpa na apresentação do livro: "Escrevi a respeito dele timidamente, cheia de dúvidas, como uma idiota".

Entre os melhores momentos de sua "Carta de Paris" está o período em que Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, preparava-se para editar Ulisses, de James Joyce, pela primeira vez. Até então, somente trechos do romance irlandês haviam sido publicados pela Little Review. "Aquela caótica mistura de obra-prima da ficção de um gênio celta singular, de erudição anglicana, de análises de personagens irlandesas e de pensamentos e acontecimentos em Dublin", descreveu.

Janet freqüentava os cafés – sobretudo o Les Deux Magots, onde Hemingway (ou melhor, Ernest) a levava para "conversas sérias" – e, embora se resguardasse na "colônia americana" de Paris, estava atenta ao que acontecia fora dela e, meio deslumbrada, não se importava de virar personagem de seus escritos. Como quando um amigo a levou para conhecer Picasso e este lembrou de ter visto Janet em um café parisiense. Ao menos essa é a versão dela para a história.

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