Nova York - Bindu Wiles estava num vagão de metrô no Brooklyn, por estes dias, quando bateu o olho numa mulher lendo um livro cuja capa, a silhueta negra da cabeça de uma garota contra um fundo laranja brilhante, capturou sua atenção.
Bindu notou que a leitora parecia ter mais ou menos a idade dela própria, 45 anos, e carregava um colchão de ioga, do que deduziu que as duas deviam ter cabeças parecidas e, inclinando-se, tentou ver o título do livro: Little Bee, um romance de Chris Cleave [sem tradução para o português]. Estudante do curso de graduação em escrita de Não-ficção do Sarah Lawrence College, Bindu digitou um lembrete em seu iPhone e comprou o livro ao fim daquela semana.
Esse tipo de encontro está se tornando cada vez mais difícil. Com um número crescente de pessoas aderindo ao Kindle e outros leitores eletrônicos, e com o iPad, da Apple, chegando ao mercado neste fim de semana, nem sempre é possível ver o que os outros estão lendo ou propagandear o próprio gosto literário.
Não dá para julgar um livro pela capa quando ele não tem uma.
"Carregar um belo livro tem algo de intelectualmente denso e atraente", diz Bindu, que se lembra de, recentemente, relendo Anna Karenina, gostar que as pessoas no metrô reparassem na capa do livro. "A gente se sente meio que orgulhosa de estar lendo aquilo." Com um Kindle ou um Nook, ela afirma, "os outros nunca poderão saber".
Entre outras mudanças trazidas pela era do livro eletrônico, com as edições digitais não se veem mais capas de livros em metrôs, mesas de cafés e praias. É uma perda para editores e autores, que apreciam essa propaganda gratuita para seus livros impressos: ao reparar nas capas dos livros que as pessoas estão lendo no avião ou no parque, pode-se decidir dar uma conferida em Os Homens Que Não Amavam as Mulheres [de Stieg Larsson, Cia. das Letras] ou The Help [de Katheryn Stockett, sem tradução para o português].
"É muito frequente, ao pensar num livro, a gente lembrar da capa", observa Jeffrey C. Alexander, professor de Sociologia Cultural de Yale. "É uma maneira de atrair as pessoas para a leitura pelo visual."
Numa livraria, onde ainda se concretiza a maior parte das vendas, as capas têm papel determinante. "Superar o obstáculo de o leitor se sentir atraído pela capa e pegar o livro para olhar", comenta Patricia Bostelman, vice-presidente de marketing da Barnes & Noble, "é vencer uma enorme batalha".
Mas essa vitória se tornará mais difícil se ninguém puder ver que você está lendo Guerra e Paz ou Diamonds and Desire [de Sarah Morgan, sem tradução para o português].
Talvez nenhum outro elemento no processo de produção de um livro receba tantas contribuições de tantas pessoas diferentes quanto a capa. Primeiro, um diretor de criação traz uma idéia. (Que tal a imagem de uma maçã?) Aí o editor, o autor e o agente dão um olhada. (Dá pra aumentar o tamanho da letra no nome do autor? E não era uma maçã que tinha na capa daquele livro sobre vampiros? Este não é sobre vampiros.) O executivo da editora entra na discussão. (Vampiro vende. Gosto da idéia da maçã.) O pessoal de vendas dá seus palpites. (E o lado econômico da coisa? Que tal uma maçã com uma laranja dentro? Já funcionou em outra ocasião.) E até o livreiro tem uma opinião. (O que eu realmente adoraria na capa é um par de saltos altos.)
É improvável que uma boa capa salve um livro ruim, claro. Mas, num mercado saturado, uma capa impactante é uma vantagem que todos os autores e editores querem levar. Para se ter uma idéia das probabilidades nesse mercado, a consultoria especializada Codex Group, numa análise aleatória de mil livros de negócios lançados no ano passado, descobriu que apenas sessenta e dois venderam mais de cinco mil cópias.
Mesmo na era digital, os executivos de editoras acreditam que os livros precisam de aparato gráfico ainda que sirva apenas à campanha de marketing na internet. Independente do formato, "todo livro parece necessitar daquilo que conhecemos como capa para identificá-lo", pondera Chip Kidd, diretor de arte da Alfred A. Knopf. Kidd já ilustrou mais de mil capas, incluindo as de autores como Cormac McCarthy e James Ellroy.
A indústria da música passou por transição similar com a chegada dos tocadores digitais, mas reagiu encontrando novas maneiras de apresentar a arte da capa dos CDs nos websites onde as faixas são vendidas e nas telas dos iPods, onde elas são tocadas. Os editores já tiveram alguma experiência na criação de capas para o mundo digital, uma vez que muitas pessoas, hoje, compram mesmo o livro impresso pela web.
"Muitas vezes a gente recebe pedidos pra usar uma fonte maior", conta Mario J. Pulice, diretor de criação da divisão de comércio adulto da Little, Brown & Company. "Isso porque, no site da Amazon, não dá pra ler o nome do autor."
Uma capa digital continuar a ser o melhor jeito de apresentar um livro em anúncios direcionados no Google e outros serviços de busca ou nos sites de redes sociais, já perceberam os editores.
Alguns leitores esperam que os fabricantes de equipamentos eletrônicos incluam funções que, nesses aparelhos, permitam divulgar aquilo que se está lendo. "As pessoas gostam de se exibir com o que estão fazendo e com as coisas de que gostam", diz Maud Newton, uma popular blogueira que escreve sobre livros. "De modo que, em algum momento, haverá uma maneira de elas fazerem isso usando seus leitores eletrônicos."
Por ora, muitos editores estão contando com o efeito Facebook. "Antes, você podia ver três pessoas lendo Comer, Amar, Rezar no metrô", compara Clare Ferraro, presidente dos selos Viking e Plume, do grupo Penguin nos Estados Unidos. "Agora você vai entrar no Facebook e ver que três amigos seus estão lendo o livro."
Mesmo os mais ávidos frequentadores da web se guiam pelas capas físicas dos livros no mundo real. Heather E. Johnson, de 32 anos, que escreve resenhas em seu blog, "Maior de 30... Uma vida entre livros", recentemente, num dos jogos de hóquei de seu filho, em Glen Burnie, subúrbio de Baltimore, notou um exemplar de Outlander, de Diana Gabaldon [sem tradução para o português], largado aberto numa das arquibancadas.
Quando uma amiga voltou procurando pelo livro, Johnson perguntou a opinião dela sobre o que estava lendo. "Ela disse que era fabuloso", lembra a blogueira. Assim que voltou para casa, colocou o título no topo da lista dos livros a serem lidos.
"Não sei se puxaria conversa para saber o que alguém está lendo no seu leitor eletrônico", acrescenta a senhora Johnson. "Pode ser que a pessoa não queira que saibam que ela está lendo aquilo."
Alguns editores de livros digitais suspeitam que uma das razões pelas quais a literatura romântica e erótica faz tanto sucesso no formato é o fato de os leitores eletrônicos proporcionarem discrição.
Mas as capas de livros ainda têm sua importância.
Holly Schmidt, presidente da Ravenous Romance, uma editora de livros eletrônicos com temática romântica e erótica, conta que, certa vez, um editor lhe ofereceu uma antologia de contos sobre casos entre mulheres mais velhas e rapazes. A primeira versão do livro mostrava, como capa digital, a imagem de uma mulher atraente. Mal conseguiu vender umas poucas cópias. A editora lançou nova capa on-line desta vez mostrando os torsos musculosos e nus de três rapazes e as vendas decolaram.
A nova capa "pegou um livro que era um considerável fracasso", completa Schmidt, "e o transformou num grande sucesso de vendas".
Tradução de Christian Schwartz.
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