De vez em quando aparece um jogo que me lembra do potencial que os videogames têm de serem ostensivamente bizarros. A bem da verdade, “ostensivamente bizarro” é uma expressão que poderia muito bem ser usada para descrever o estilo próprio da Double Fine Productions, os criadores de “Psychonauts”, um clássico cult que gira em torno de um menino que mergulha nas paisagens mentais que existem dentro da cabeça das pessoas.
A empresa, com sede em San Francisco, é conhecida pelo senso de humor dos seus roteiristas e o estilo pirado da arte criada pelo seu departamento visual. Faz todo o sentido do mundo, então, que a mais recente criação da equipe, “Headlander”, tenha saído agora pelos distribuidores da marca Adult Swim. E, assim como as séries da Adult Swim, como “Archer” e “Frango Robô”, o que impulsiona “Headlander” é a nostalgia irônica pelo entretenimento de uma era do passado.
“Headlander” evoca toda a aparência de uma série de ficção científica da década de 70 gravada para a posteridade num videocassete, com chuvisco e tudo. Ambientado no futuro, o jogo se passa numa época em que quase todo mundo foi convencido a substituir sua anatomia humana por corpos robóticos, que oferecem a promessa da imortalidade.
Headlander
Desenvolvedora: Double Fine Productions
Distribuidora: Adult Swim Games
Preço: R$ 36,99
Matusalém
O jogador encarna aquele que é talvez o último ser de estrutura orgânica do universo – uma cabeça sem corpo, protegida por um capacete de astronauta com um foguete na base. No papel do Headlander, é sobre os seus ombros – errr, modo de dizer – que recai o dever de tentar ajudar uma facção de robôs dotados de consciência política a derrubar Methuselah, um supercomputador diabólico que considera o protagonista uma “aberração”.
Assim como a figura bíblica Matusalém, de quem herda seu nome, ele existe desde épocas imemoriais, mas o modo exatamente como conseguiu escravizar a raça humana permanece um mistério. O jogo, no entanto, dá umas pistas, como as mensagens que ele passa pelos alto-falantes de que “tudo está o tempo todo cada vez melhor”, ou então, “deixem que suas mentes vaguem entre os cidadãos do cosmos”. Methuselah sabe muito bem manusear a psicologia pop como uma arma.
Depois de fugir da nave espacial onde sua cabeça repousava num estado de suspensão criogênica, a cápsula de emergência que você dirige se volta para uma estação espacial chamada YOUR-topia. Sob a luz difusa que cobre boa parte do ambiente, conferindo-lhe uma atmosfera meio de lâmpada de lava, os cidadãos robóticos passam seus dias na mesmice, num estado de torpor extasiado. Sua tranquilidade inquebrantável se deve à “omega gem” – um implante que os impede de conceber qualquer pensamento que tenha muita profundidade ou de sentir muito investimento emocional em qualquer coisa que seja. Ao se aventurar pelos ambientes da estação, você ouvirá seus habitantes dizendo várias coisas meio dopadas, tipo “Consigo enxergar através do tempo!” ou “O universo, eu saquei qual é a dele”.
Corpo canino
Quanto à jogabilidade, “Headlander” oferece uma variação interessante sobre os jogos no estilo “Metroid”, de plataforma 2D. Quando você não está voando pelos ares com seu foguete, você pode ligar sua cabeça a uma variedade de corpos robóticos diferentes. Para isso, basta desatarraxar a cabeça dos outros, usando a turbina na base do seu capacete, e depois, apertando um outro botão, fixar sua cabeça ao cadáver mecânico que você acabou de roubar – seja ele masculino, feminino, canino ou outro.
Os desafios que se põem diante de você alternam entre os desafios clássicos do gênero – procurar um jeito de destravar uma porta ou pegar uma arma laser e atirar em todos os inimigos de uma sala, etc. – e momentos em que você precisa roubar estrategicamente vários corpos robóticos diferentes para propósitos variados, o que lembra uma versão deturpada e ensandecida de um jogo de xadrez.
Desde a música lounge da tela de abertura, ao mesmo tempo cafona e grudenta, até os ambientes que fisgam o olho com suas cores berrantes, a produção de “Headlander” impressiona no geral. Porém, na versão para o PlayStation 4 que eu testei, não deu para não reparar que a taxa de quadros por segundo despenca sempre que estoura uma guerra de armas laser com mais do que um ou outro inimigo. Esses deslizes técnicos, porém, não diminuíram em nada o meu apreço pelo jogo.
E, apesar de eu ter apanhado um pouco numa parte perto do fim, em que você precisa impressionar um guardião musical com uma demonstração das suas habilidades como atirador, que arriscou fazer subir minha pressão sanguínea, “Headlander”, no final, me deixou com uma sensação agradável e pouquíssimos arrependimentos em relação aos três dias que passei com o jogo.
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