"Durão, sim, às duas de uma tarde de sol. Nunquinha que às três da noite escura da alma, eu, a última das baratas leprosas. Agonizante na velha cama, o colchão furadinho de agulhas de gelo, o travesseiro de penas e brasas vivas. Única imagem: você perdida e nua em meus braços. Única ideia: nua e perdida você nos braços de outro atropela uma prece entre berros do ódio que espuma. E o maldito pernilongo da insônia, oi querido, tudo bem? "
Trecho de "Tudo bem, querido", do livro Novos Contos Eróticos, de Dalton Trevisan.
Adultérios, incestos, abusos. O sexo nos contos de Dalton Trevisan têm culpa, repressão, dor e urgência. Normalistas, padrastos, anões e ninfetas. Velhos priápicos, professoras ninfomaníacas e adolescentes dissimuladas.
Os personagens destas histórias de "amor sujo" estão por perto e à solta. Nas casas, escolas, ruas e bares de Curitiba. No cotidiano das famílias e da cidade.
Uma identificação que fica clara pela maneira humana como são resolvidos os conflitos: o marido traído tolera a gravidez e as roupas íntimas dos amantes da mulher penduradas no varal. O velho pai tarado que assedia a mulher do próprio filho é deixado para morrer em um asilo (não sem antes acender os sonhos da norinha inocente).
Se um livro novo de Dalton Trevisan nunca é coisa pouca, a antologia Novos Contos Eróticos (Record) que chega às livrarias neste mês, reúne 30 dos melhores textos do contista dentro do universo que ele domina à maestria e do qual trata de uma maneira tão escancarada e obscena que faz com que outros prosadores que se ocupam do tema pareçam escritores infantis.
A antologia que não tem nenhum prefácio ou notas de editor, apenas os textos com diagramação bruta e uma bela capa com ilustrações eróticas de Poty Lazzarotto reúne textos famosos, como "Macho Não Ganha Flor" e o "Maníaco do Olho Verde" a outros menos conhecidos.
Há também alguns poemas eróticos de Dalton, como "Cantiquinho", e as polêmicas "cartas", sempre escritas por vozes femininas subservientes a seu "morzinho", "caríssimo Senhor meu", "neguinho meu".
Para o crítico e professor de literatura da Universidade de São Paulo Alcir Pécora, a alta qualidade literária desses contos de Trevisan não pode ser colocada simplesmente na prateleira da literatura erótica. "Ele emula o pornográfico e vulgar, sem sê-lo, pois implica numa observação inteligente de tipos e situações diversas, num grande domínio técnico da língua e num imaginário irônico e implacável em torno de diversas formas de vida, mesmo as mais repulsivas", afirma.
"Um texto erótico é uma grande literatura quando transcende este sentido sexual e a partir do jogo sensual nos revela detalhes da vida dos personagens, do ambiente, da trama. Excita e atiça vários campos da nossa imaginação", observa Luiz Andrioli, escritor e jornalista estudioso da obra do escritor curitibano de 88 anos.
Pécora também identifica uma mudança estilística gradual nos textos de Trevisan ao longo dos anos, o que tornou sua obra "mais pornográfica, mais chula, mas, não necessariamente, mais erótica".
Para o crítico, os temas "ordinários" cresceram na obra do autor. "As narrativas perderam um pouco o apelo da construção do cafajeste provinciano e de tipos mais bizarros para se tornar narrativa de acontecimentos mais banais, e, também, mais reles e rebaixados. Como se poderia encontrar em relatórios de qualquer delegacia de cidade grande", analisa.
BC deve elevar Selic em 1 ponto percentual; “pancada” até o fim do ano é a dúvida do mercado
Decretos de Trump buscam garantir liberdade de expressão e investigar censura na era Biden
Qual é o plano do governo para o Brasil
“A Arte da Negociação”: sete lições do livro que explica a presidência de Trump
Deixe sua opinião