São Paulo Passe olimpicamente pelo começo e pelo fim de Anjos da Vida Mais Bravos Que o Mar, com aquela construção do mito do guardião que vela pelos náufragos, empurrando-os para a superfície, quando estão desistindo de lutar. Isso é "bullshit", coisa de cinemão americano, que precisa sempre da idéia da segunda chance, do happy end a qualquer preço. No miolo, há um bom filme no longa que assinala o retorno de Andrew Davis, o diretor de O Fugitivo, após o desastre de Efeito Colateral.
Para que o espectador não perca tempo, vamos logo dizendo do que trata Anjos da Vida, filme que estréia hoje no Brasil, cujo título original é The Guardian. Kevin Costner faz o melhor nadador da guarda-costeira americana, o homem que contabiliza recordes em salvamentos no mar. Mas, quando o filme começa, ele é um homem em crise. Ao salvar um casal, precisa agredir o homem que, em desespero, compromete o salvamento da mulher. É o que está ocorrendo com ele próprio, no casamento. Para complicar, ele perde o melhor amigo no mar.
Causa e efeitos relações de causalidade , típicas de Hollywood. Costner é "encostado" como instrutor numa academia naval, a mesma onde vai estudar Ashton Kutcher. Arrogante e talentoso, excepcional como nadador, ele entra em choque com o instrutor, decidido a bater seus recordes. Costner terá de retirar do passado do garoto o trauma que ameaça transformá-lo num homem como o que ele é. Tudo isso parece, como se diz, déjà vu, mas algo se passa diante da câmera de Andrew Davis.
De Código do Silêncio (com Chuck Norris!) a Um Crime Perfeito (remake de Disque M para Matar, de Alfred Hitchcock) passando por O Fugitivo (baseado na velha série), ele construiu sua pequena fama como diretor de ação, capaz de realizar bons filmes formatados para astros e estrelas. Davis não perdeu a mão para as cenas de ação. Os salvamentos no mar são espetaculares em seu novo filme, que talvez só tenha um problema com 2h20 de duração, talvez seja considerado um tanto longo. Mas é o tempo que Davis necessita para viajar por personagens mais complexos e verdadeiros do que os estereótipos que parecem.
Há uma cena decisiva em Anjos da Vida, quando a dona da cantina diz para Costner que não tem problemas com seu corpo porque o que vê ali são as marcas de quem amou e viveu com intensidade. Envelhecer é merecimento, ela diz. O filme é um pouco a história de um homem que não tem essa sabedoria. Duas mãos lhe são estendidas como uma salvação, a da mulher e a do pupilo transformado em amigo, como no célebre afresco de Michelangelo na Capela Sistina, "A Criação de Adão". Nas duas vezes, o herói rejeita a oferta. Costner já foi um astro. Conheceu o fracasso e a rejeição. Transmite uma idéia de amargura. Confere força a Anjos da Vida.
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