Uma imagem estranha, das mãos acorrentadas de um homem em volta do pescoço de uma mulher, capa de uma revista francesa, foi o ponto de partida para um dos mais importantes filmes brasileiros da história. Realizado em 1930 por um jovem de 21 anos, Limite até hoje desperta admiração de aficionados pelo cinema. A história do diretor Mário Peixoto e do mítico filme é tema do documentário Onde a Terra Acaba, do baiano Sérgio Machado (Cidade Baixa), que está sendo lançado em edição especial em DVD pela VideoFilmes
"Como um menino conseguiu fazer, em um país sem tradição no cinema, um filme que é uma síntese de tudo o que estava acontecendo na época, dando a direção de para onde o cinema iria se não houvesse aparecido o som? Limite vai ficar perdido no tempo com uma possibilidade que o cinema não realizou". O depoimento de Cacá Diegues (Deus É Brasileiro) retrata a importância de Limite tanto para o cinema nacional como para o internacional. Muito da relevância da produção também é creditada ao fotógrafo Edgar Brazil, que durante as filmagens chegou a criar equipamentos para realizar as cenas: uma espécie de elevador, que antecipava a atual grua, e um carrinho especial para acompanhar de perto o movimento dos atores (para fazer o plano conhecido hoje como travelling).
Para a época em que foi realizado, Limite apresenta uma grande sofisticação narrativa, que foi pouco compreendida pelo público que acompanhou as raras sessões da obra no Rio de Janeiro de 1931 o filme nunca foi lançado comercialmente. A fita começa com a citada imagem da mulher envolta pelas mãos acorrentadas, seguida de outra de uma mulher sozinha em um barco à deriva. A história, sem preocupações com continuidade, é centrada em quatro personagens, que hora estão no barco, hora estão nas ruas de Mangaratiba, cidade carioca onde a produção foi rodada. São dois homens, interpretados por Brutus Pedreira e Raul Schnool, e duas mulheres, vividas por Olga Breno e Taciana Rei. "Com este filme, quis provar que o tempo é uma ilusão, não existe", revela Mário Peixoto em um trecho do documentário de Machado. O depoimento, por sua vez, foi retirado de outro documentário, o curta O Homem do Morcego, de Ruy Solberg, cineasta que nos anos 70 tentou ajudar o já veterano diretor a fazer um novo trabalho.
Depois de Limite, Peixoto nunca realizou outro filme até sua morte, em 1992, aos 84 anos. Ainda durante as filmagens em Mangaratiba, o jovem cineasta iniciou outra produção, chamada Onde a Terra Acaba, feita sob encomenda de Carmen Santos, famosa atriz brasileira de filmes mudos nos anos 30. Muito comentada e aguardada pela imprensa na época, que a considerava a maior produção de cinema já feita no Brasil, aquele que seria o segundo filme de Mário Peixoto teve suas filmagens interrompidas depois que a estrela Carmen começou a ter crises nervosas.
O diretor abandonou a produção juntamente com Brazil, Pedreira e Schnool, também participantes do filme. O episódio o marcou profundamente, assim como a insegurança de nunca mais conseguir realizar algo no mesmo nível de Limite. Segundo Solberg, Peixoto parecia fazer de tudo para não realizar outra fita. Quando estavam produzindo A Alma Segundo Salustre, que marcaria o retorno do diretor aos 66 anos, Mário exigiu que os atores do filme fossem Roberto Carlos e Bridget Bardot. "Ele vivia criando obstáculos como esse", confirma Solberg.
Fragmentos de Onde a Terra Acaba (que teve a maior parte de seus rolos filmados queimados em um acidente alguns anos depois) são apresentados no premiado documentário de Sérgio Machado, que conta ainda com depoimentos de Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas) e Walter Salles (Central do Brasil), além da atriz Olga Breno, a quem o filme é dedicado. GGGG
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