Nem precisa pedir: eles vão tocar Raul. Determinados a migrar definitivamente de volta ao seu habitat, os palcos, Carlos Eládio (voz e guitarra), Mariano Lant (baixo) e Antônio Carlos de Souza Castro, o Carleba (bateria), preparam um ataque para celebrar os 45 anos do disco que gravaram com Raul Seixas, "Raulzito e Os Panteras".
Impulsionados também pelo lançamento, dia 23, do filme "Raul - O início, o fim e o meio", de Walter Carvalho, que conta a história do mitológico artista baiano, os Panteras avançam em várias frentes, finalizando um disco novo (entre covers de Raul e material inédito) e preparando uma turnê nacional, seguida por um DVD gravado ao vivo, acrescido por fotos inéditas, recém-descobertas pelo trio.
"A participação dos Panteras no filme foi muito importante porque mostra como a amizade entre eles permitiu que Raul se desinibisse e começasse a escrever em português", conta o diretor. "Além disso, foi emocionante encontrá-los hoje, ainda ativos e cheios de planos", completou.
Previsto para acontecer nos próximos meses, o pacote desse revival em torno de um dos marcos do rock nacional foi batizado pelos três músicos (todos com 64 anos) com um nome que lembra a irreverência do seu saudoso líder, morto em 1989: "Tudo pode acontecer, inclusive nada" (nome também de uma das faixas inéditas do futuro disco).
Fazíamos apresentações muito esporádicas, a maior parte em Salvador, desde o final dos anos 1990. Mas desde que nos reunimos para um show maior em homenagem a Raul, em São Paulo, em 2009, durante o Viradão Cultural, ao lado do Marcelo Nova (cantor do Camisa de Vênus e parceiro de Raul no disco "A panela do diabo", de 1989), que sempre nos incentivou a voltar, as pessoas descobriram que ainda existíamos - conta Eládio, que se tornou publicitário após a dissolução do grupo, em 1969. - Desde então, vínhamos pensando nesse projeto, que agora ganhou formas definitivas. Já temos as demos gravadas para o disco. E estamos fechando as datas da turnê, que tem que ser bem planejada, já que estamos numa idade em que não podemos mais pegar um ônibus para fazer um show isolado em outro estado, como fazíamos quando éramos apenas garotos.
Na década de 1960, Eládio, Mariano e Carleba eram, de fato, apenas garotos que, como tantos, amavam os Beatles e os Rolling Stones, além de Elvis Presley, grande paixão de Raul. Foi essa devoção comum pelo rock que levou, em 1965, à formação dos Panteras.
Era preciso ter muita coragem e alguma loucura para fazer rock em Salvador naquela época - lembra Carleba, que durante 20 anos foi executivo de uma empresa de seguros. "Usar cabelo comprido e costeleta não era bem aceito, e tínhamos até que brigar para nos impor. Além do mais, tudo era difícil: arrumar discos, instrumentos e até mesmo informações".
Animados pela premiação com o Troféu Roberto Carlos como Melhor Conjunto de Jovem Guarda da Bahia, em 1967, com a presença do próprio RC, Raul(zito) e os Panteras se mudaram para o Rio, no mesmo ano, na esperança de gravar um disco.
"Éramos muito inocentes quando chegamos ao Rio, mas mesmo assim, conseguimos ser recebidos pela gravadora Odeon, graças à ajuda do Roberto, que lembrou do nosso encontro em Salvador", diz Eládio. "Conseguimos gravar o disco, mas com muita briga e discussões sobre o repertório com a gravadora. No final, ele ficou bem diferente do que a gente sonhava, mas mesmo assim foi o primeiro disco de rock nacional a usar orquestra".
Mais difícil ainda foi divulgar "Raulzito e Os Panteras" nas rádios, como lembra o baterista, o único do grupo que não mora mais em Salvador (há dois anos, se mudou para São Paulo com a mulher).
Hoje o vinil desse disco está sendo vendido por até R$ 7 mil, mas na época ninguém queria saber dele. A gravadora nos ignorou, e tínhamos que ir, sozinhos, para as rádios, tentar, em vão, que ele fosse tocado. Chegamos a passar fome durante um tempo. Como nada aconteceu, voltamos a Salvador em 1968 e cada um foi ver sua vida, retomando os estudos, menos o Raul, que já tinha uma estrela própria, tanto que sua luz nos ilumina até hoje.
Com todos aposentados recentemente (inclusive o engenheiro civil Mariano), o timing para a volta do trio à sua identidade nada secreta é considerado perfeito pelos Panteras.
É incrível ver as fotos antigas que estamos encontrando nos nossos baús e ao mesmo tempo ver como o anúncio da volta está repercutindo no Facebook entre os fãs mais novos - diz Eládio. - É um ciclo perfeito no tempo para esse retorno.