São Paulo - Na falta de melhor emprego, um matemático de 29 anos chamado Ronald Aymler Fisher resolveu trabalhar numa fazenda ao norte de Londres, de propriedade de uma grande fábrica de adubos. Nessa fazenda se testava, havia várias décadas, o efeito de diferentes combinações de fertilizantes sobre as colheitas. Fisher foi encarregado de analisar os dados acumulados em quase 90 anos de pesquisa.
Não era possível chegar a resultado nenhum. Muitas variáveis interferiam sobre os resultados de cada ano. Por exemplo, o índice pluviométrico. Ou o tipo e o subtipo da batata testada. A qualidade do terreno. Pior que isso, havia a influência das experimentações de anos anteriores sobre os seguintes.
Lembremos que Fisher se deparou com essa maçaroca de dados em 1919, muito antes de alguém sonhar em construir um computador.
Para quem está habituado às incertezas típicas das ciências humanas, a situação enfrentada por Fisher desperta imediata simpatia. Mas, como demonstra com especial vivacidade o livro Uma Senhora Toma Chá, de David Salsburg, dedicado à história da estatística no século 20, se a separação entre ciências exatas e humanas não é tão grande assim, é mais complicada do que se pensa.
O problema de Fisher na sua fazenda de adubos repete-se em todo experimento científico. Como isolar as variáveis relevantes, como testá-las, como saber quando devem ser desprezados os erros de medição?
O livro, simpática introdução ao mundo dos gênios do cálculo das probabilidades, deriva seu nome de um episódio da biografia de Fisher. A tal senhora do título dizia que o gosto do chá fica diferente se alguém põe antes o leite na xícara e depois derrama o chá, ou se alguém põe antes o chá e depois derrama o leite. Ouvindo isso, naquela tarde de verão em Cambridge, Fisher propôs que se testasse a proposição.
Bastaria, pensa o leigo, oferecer diferentes xícaras de chá com leite àquela senhora, convenientemente vendados os seus olhos, e verificar se ela era capaz de acertar a ordem da mistura. Estamos sendo científicos mas não o suficiente. Quantas xícaras seriam suficientes para asseverar que a senhora tinha razão? Quantos erros podemos admitir em seus palpites? Desse gênero de dificuldades nasceu um clássico da metodologia científica, The Design of Experiments (o desenho, ou a arquitetura, dos experimentos), publicado por Fisher em 1935.
Esse é só o começo da história contada por David Salsburg, professor de estatística em Cambridge e na Pensilvânia, que por muito tempo trabalhou como matemático numa indústria farmacêutica. Seu livro está repleto de histórias fascinantes sobre conquistas e paradoxos da matemática e também sobre as falhas de caráter e lógica que acometiam os maiores gênios. Para se ter uma ideia, Fisher nunca admitiu que o cigarro fosse cancerígeno.
Anedotas desse tipo conferem (talvez com um tom forçado demais) tempero biográfico a um livro que, embora dirigido ao público mais amplo, é incapaz de ocultar o fato de que tudo é terrivelmente complexo mesmo para um bom divulgador como Salsburg. O leitor se sente como um surdo lendo um ótimo livro sobre os gênios da música. Tudo é inteligível, admirável, e amplia consideravelmente seu entendimento sobre o mundo; o essencial, todavia, não está ao seu alcance.
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