Erica Migon, Guilherme Weber e Felipe Hirsch: uma companhia teatral com 18 anos de existência no Brasil é raridade| Foto: Divulgação

Bate-papo: marcas do passado curitibano

Cerca de 50 pessoas assistiram a um bate-papo com a Sutil Companhia de Teatro na noite da última quinta-feira, no teatro do Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, para tentar entender o que faz um grupo no Brasil chegar aos 18 anos – uma raridade. A ligação do diretor Felipe Hirsch com o Rio vem de berço, já que é sua cidade natal. Mas foi na criação em Curitiba que ele absorveu os ares literários da era Paulo Leminski.

O grupo abriu a conversa com o público carioca contando sobre o que leu quando seus integrantes eram ainda muito jovens, sobre seu encontro e o início da criação cênica profissional em 1993, com Baal Babilônia.

"Os anos 80 e 90 foram um momento muito especial dentro daquela cidade. Era um panorama intelectual excitante, com poetas escrevendo e lendo muito bem", rememorou Hirsch.

"Parece bairrista, mas a cidade nos forneceu uma matéria-prima peculiar para formar nossos códigos", completou o ator Guilherme Weber, curitibano e também integrante da Sutil. A atriz Erica Migon completou o trio no palco do Oi Futuro, patrocinador da mostra de 18 anos da companhia – recebida muito bem pelo público carioca.

"Acompanho a companhia por onde ela vai", contou o advogado Felipe Pedrini, de 28 anos e um dos primeiros a chegar.

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Rio de Janeiro - A Sutil Companhia de Teatro, curitibana de nascimento, chega aos 18 anos com mais de 30 espetáculos encenados e cartas na manga. Apesar de tocar diversos projetos no eixo Rio-São Paulo, participará do Festival de Curitiba com a estreia de Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, segunda parte da trilogia começada com A Vida É Cheia de Som e Fúria, de 2000. A investida no cinema, com Insolação, de 2009, também deve render um novo longa em 2013, enquanto outras quatro peças estão em processo de criação.

O diretor Felipe Hirsch conversou com a Gazeta do Povo na última quinta-feira, no Rio de Janeiro, e contou que terá só um mês para preparar sua nova estreia no festival.

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Trilhas Sonoras de Amor Perdidas é a continuação de A Vida É Cheia de Som e Fúria?

Não é exatamente uma continuação. É uma segunda parte, mas a história não continua. É fruto de um material que eu coletei durante quase dez anos. A gente sempre imaginou voltar ao tema porque lá atrás pensávamos em uma trilogia sobre música. E agora o Leandro [Knopfholz, diretor do Festival de Curitiba] conseguiu me convenceu a montá-la e eu irresponsavelmente aceitei (risos). Estamos fazendo ensaios muito pouco ortodoxos, trabalhando muito em cima do texto. Nem fechei o elenco ainda. Estou com 40 dias para estrear.

Mas o Guilherme Weber é uma certeza?

O Guilherme sim. Devo fechar o restante até o fim do mês para então ter 30 dias para ensaiar.

Alguma outra peça sua foi tão corrida?

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Já fiz de tudo que você possa imaginar. Já ensaiei peça durante nove meses e em 12 dias. Depende muito de cada caso. No da nova montagem, ela é muito dramatúrgica – e eu quero isso.

Então A Vida É Cheia... foi pensada como início de uma trilogia?

Sim. Mas éramos muito jovens, e depois disso fizemos mais de 20 peças. Fizemos espetáculos muito importantes na história da Companhia – Os Solitários, Pterodátilos, Avenida Dropsie –, não tinha por que voltar a ela naquele momento. Só que com isso minhas gavetas foram enchendo de material que um dia eu iria precisar revisitar de alguma maneira. São textos e muita coisa do Thurston Moore, do Sonic Youth. Ele tem uma fixação por mixtapes, que são fitas gravadas, inclusive escreveu um livro chamado Mix Tape: The Art of Cassette Culture. Entramos em contato com ele, e muita gente tem escrito sobe isso. Até porque, como o passar do tempo, a tecnologia muda, mas o princípio é o mesmo, de trocar conteúdo musical. Eu coleciono esse material e no meio tem umas histórias de amor muito bonitas. Agora estou organizando tudo isso.

O público vai reconhecer nela A Vida..?

A relação dos personagens com a música é a mesma, são todos apaixonados. Mas como história, não.

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E a terceira parte...

Só daqui a dez anos (risos).

O Festival de Curitiba o convenceu a estar presente ou a montar esta peça especificamente?

As duas coisas. O Leandro achava que era muito importante eu estar neste ano porque será uma espécie de resgate de várias companhias muito importante que passaram pelo festival, e me sinto muito feliz de estar em uma edição em que a Deborah Colker está, a Denise Stoklos, fiquei muito à vontade quando vi o grupo Galpão... Estamos fazendo completamente sem dinheiro, mas temos o apoio do festival como coprodutor.

A peça pode passar por ajustes após a estreia em Curitiba, de acordo com a recepção pelo público?

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Não, isso acontece naturalmente independentemente da reação do público. Eu normalmente faço algum tipo de ajuste, mas demoro muito para chegar nisso. Eu não acredito que uma peça estreie para ser certa ou errada. Ela estreia onde está, naquele ponto. Lembro do Francis Bacon dizendo "Esse quadro é meu, quer que eu mexa nele agora, ali na parede?" E todo mundo ficava desesperado, gritando "Não, pelo amor de Deus!". Você não estreia para o espetáculo estar perfeito, e é difícil mudar depois da estreia. Até porque o processo é tão intenso, com tanto sentimento, minha relação com a peça é tão profunda que no dia seguinte quero me esconder num quarto escuro e dormir.

Você vai ensaiar Trilhas... em Curitiba?

Só nos últimos dias. Ficamos no Rio de Janeiro até o carnaval, depois ensaiamos em São Paulo.

Estar no Rio tem a ver com a mostra dos 18 anos da companhia, com três peças em cartaz. Como elas foram escolhidas?

Não sobre o Amor tinha feito só uma temporada aqui, de muito sucesso, mas em um teatro pequeno no centro da cidade. Chegamos a fazer seis sessões por semana. E ainda tinha muito espaço para voltar. E Thom Pain/Lady Grey e Temporada de Gripe estavam inéditas aqui. Na medida do possível, tento levar os inéditos ao Rio e São Paulo.

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E em Curitiba, você gostaria de encenar mais?

Eu gosto muito de Curitiba, onde temos um público muito fiel, embora não tenhamos relação íntima com a classe teatral. Não Sobre o Amor, no festival passado, tinha público para quantas sessões extras fossem abertas. Enchemos sete. Sempre que existir uma oportunidade, a gente irá, porque é nossa casa também. Onde tudo começou. E gostei de ver Maria Christina Andrade Vieira na presidência da Fundação Cultural, e espero que o caminho fique mais claro agora (na política cultural da cidade).

Como está sua montagem da ópera Rigoletto?

Estrearemos em setembro no centenário do Teatro Municipal de São Paulo e reestrearemos O Castelo do Barba Azul em dezembro no Municipal do Rio.

Você também fez um filme, Insolação, em 2009. Irá investir nessa linguagem?

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Ontem fiquei sabendo que o Paulo José (ator no filme) disse que é um dos melhores que ele fez, e fico muito feliz porque ele é o melhor ator do nosso cinema. Claro que a obra está longe de ser um blockbuster, teve um público de 30 mil pessoas. É o que o americano chama de ultra-art house, como fomos definidos pela revista Variety. Mas não quero tomar nenhuma decisão precipitada. Caíram muitas coisas na minha mão depois de Insolação e agora parece que eu tenho um projeto, mas ainda é muito cedo para começar. Possivelmente eu o filme no começo de 2013.

Trabalhar com essas outras linguagens influencia seu teatro?

Sem dúvida, na verdade eu nem sei se eu faço mais teatro. Não sobre o Amor é um espetáculo que é cinema, artes plásticas, literatura, teatro. Não gosto muito do crossmedia, misturar linguagens, quando elas ficam muito evidentes. Gosto quando a linha é tênue, borrada. É assim que a gente faz as coisas hoje: pensa em obras conceituais, independentemente de como elas serão definidas. Mas não tenho obrigação de nada, nem de fazer mais filmes nem de não ficar longe dos palcos. Gosto de fazer coisas que me emocionem, de buscar uma linguagem para elas. Onde será que isso acontecerá, num filme, numa bienal de arte? Até da Bienal de Arquitetura de Veneza eu já participei.

Quando você passou das ideias para a arte?

Acho que você descobre que é um artista quando descobre sua personalidade, o que leva tempo. Normalmente o que você faz é simplesmente reciclar e repetir os outros. Mas, então, você descobre que tem um universo íntimo que pode ser interessante aos outros.

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E como foi para você?

Aconteceu naturalmente. Foi quando começou a ficar fácil, no bom sentido da palavra. Prazeroso. Não só apaixonado. Quando eu comecei a não sentir tanta necessidade de viver para fazer mais. Percebi que teria feito já o necessário para me sentir feliz com a minha vida.

A repórter viajou a convite do Oi Futuro.