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Não há pior forma de o mundo descobrir um país pobre e esquecido do que vê-lo no noticiário em meio a uma crise. Passa-se a pensar nele como um lugar problemático em que não há nada de bom. É o que está acontecendo com o Mali, país do norte da África que desde meados do ano passado enfrenta uma crise política desencadeada por um grupo de orientação islâmica.
Pobre Mali. Merecia ser conhecido pelo seu cinema, sua música e pela cultura de seus povos tradicionais.
O Mali tem uma história impressionante. Timbuktu, a primeira cidade tomada pelos rebeldes e agora recuperada pelo governo com o auxílio da França, existe desde o século 12 e foi capital, no século 16, de um império. Enriqueceu como um entreposto comercial importante e como exportadora de sal. Hoje, os turistas compram pequenas placas de sal para levar para casa como lembrança. Elas são trazidas, em camelos, do Saara (que margeia a cidade). As escolas de estudos islâmicos de Timbuktu chegaram a ter 25 mil estudantes ao mesmo tempo. Por isso ainda há por lá muitos manuscritos antigos, que as famílias enterram na areia para proteger.
O visitante de hoje não vê nem sombra desse passado glorioso. Timbuktu é agora uma pequena cidade onde cabras circulam pelas ruas cobertas pela areia do deserto e as casas têm uma laje no teto onde os tuaregues preferem dormir, vendo as estrelas.
Os tuaregues... Tudo sobre eles inspira fantasias e espanto. O "Povo Azul" é seminômade e faz seus acampamentos no deserto, mas circula pela cidade. São chamados assim desde que passaram a usar o anil para tingir o linho que enrolam em torno da cabeça para proteger o rosto. No início, o anil se soltava do tecido e manchava de azul o rosto dos homens. Daí o apelido poético.
Em meio à simplicidade que reina em um país de economia básica, sobrevivem aldeias de casas de barro, o material mais abundante para a construção civil. Por isso o Mali tem as maiores edificações em barro do planeta, especialmente mesquitas. Uma delas, a mesquita da cidade de Djene, segue impávida e linda há mais de oito séculos. Suas paredes são recuperadas todos os anos, após a estação de chuva, quando os moradores da cidade se reúnem para colocar material novo onde a água lavou o adobe.
Sonoridade
Nas últimas décadas a cultura do Mali gerou um tipo de música nova, que usa muitos instrumentos de corda e por isso é sempre comparado ao blues americano. É uma forma de apresentá-la, mas também é uma simplificação injusta. Os músicos do Mali usam o canto, a sonoridade típica do norte da África e uma batida pop internacional que parecem ter adquirido ao longo dos anos através de um zeitgeist musical. O resultado é original.
A música do Mali foi descoberta na Europa nos anos 1970, com o músico Salif Keita. Depois vieram a dupla Amadou & Mariam e Youssou NDour. Eles continuam em atividade e foram seguidos por vários outros grupos e cantores. No ano passado, chamaram a atenção a jovem cantora Fatoumata Diawara e as bandas tuaregues Terakaft e Tinariwen. Apesar de terem suas raízes na música islâmica, estas composições e seus autores e intérpretes estão sendo perseguidos pelos militantes dos grupos Al-Qaeda do Magreb Islâmico e Ansar Dine. Segundo o jornal francês Le Monde, a música e a arquitetura malianas são vistas pelos radicais como expressões de um islamismo mais aberto com o qual eles não concordam. Daí o temor de que destruam prédios antigos e que continuem as perseguições aos músicos, que estão ameaçados de morte.
As músicas compostas pelos malianos têm um poder em comum: os primeiros acordes impressionam, têm uma força épica, provavelmente por conta das origens étnicas. É ouvir e espantar-se. É ouvir e admirar.
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