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"Não creio nessa ideia de que o escritor seja alguém com puro instinto".

Leia a entrevista completa com o escritor chileno Alejandro Zambra.

  • Herdeiro do boom, Hernán Rivera Letelier é um dos escritores mais prolíficos do Chile
  • Lina Meruane: premiada no México, destaque na Argentina e ainda inédita no Brasil
  • Aos 26 anos, Diego Zuñiga está entre as apostas da nova geração

Não foi apenas a fuligem do vulcão Copahue que cruzou os Andes recentemente. Em 2012, os (bons) ventos da nova literatura chilena também sopraram por aqui, mostrando que a produção atual do país voltou a entrar em erupção. Enquanto cânones e best-sellers continuam aportando em solo nacional – não faltam nas livrarias obras de Pablo Neruda, Isabel Allende, António Skármeta e do "fenômeno cult" Roberto Bolaño –, os leitores brasileiros descobriram no ano passado dois narradores já consagrados por lá: Hernán Rivera Letelier, ganhador do prêmio Alfaguara de romance em 2010, e Alejandro Zambra, convidado da 10.ª Festa Literária de Paraty.

"O Chile é, sem dúvidas, um país com uma literatura variada, sólida, instigante e vigorosa. Pena que ainda nos falte conhecer muitos de seus autores, da mesma forma que eles também conhecem pouco da nossa literatura. É como se os Andes fossem uma barreira", lamenta o tradutor Eric Nepomuceno, que verteu ao português A Contadora de Filmes, décimo terceiro romance de Letelier. Antes de conquistar o tradutor, porém, a obra já havia encantado o cineasta Walter Salles, que assina a orelha do livro e, segundo rumores, planeja adaptá-lo à telona.

Com uma obra marcada pela paisagem árida do Atacama, personagens fabulosos, uma narrativa algo épica e envolvente, Letelier é tido como o herdeiro direto da tradição fantástica no Chile, cujo nome mais emblemático foi José Denoso, autor de O Obsceno Pássaro da Noite. Bem diferente de seu conterrâneo Alejandro Zambra, que, pelo viés do minimalismo, opta por histórias íntimas de personagens urbanos, mirando nas relações amorosas e confrontando a nostalgia do passado com a melancolia do presente. A curtíssima novela Bonsai é um belo exemplo, assim como o romance La Vida Privada de los Árboles, que a editora Cosac Naify lançará aqui em abril deste ano.

Enterrando estereótipos

Quando o escritor santiaguino Alberto Fuguet mandava seus originais para editoras norte-americanas, nos anos 1980, não raro recebia respostas do tipo: "Coloque em seus textos algo folclórico, coisas exóticas, e depois volte a nos procurar". Para fazer frente ao estereótipo que se tinha das letras latinas, Fuguet lançou em 1996 uma provocadora antologia de jovens contistas. O título: McOndo, Fusão de Mc Donald’s, Macintosh e Macondo, a mítica cidade de Cem Anos de Solidão. O objetivo era romper com o conceito de cultura autóctone e do realismo mágico como paradigma literário do continente.

"Sempre desconfiei dos nacionalismos, eles têm uma vocação fascista", diz Lina Meruane, chilena radicada em Nova York e ainda inédita no Brasil – à exceção de um conto publicado pela editora curitibana Arte e Letra na edição R da revista Estórias. Apesar de reticente à ideia de nação, Lina se interessa pelas variações da língua espanhola e de cada cultura, pois seriam modos de viabilizar o particular e combater a homogeneidade. "As formas como o imaginário desta nova geração se abre são muito diferentes. Tendo a pensar que o único ponto de encontro é um voltar-se constante a certos códigos locais, ao regionalismo da própria língua", opina.

Para o crítico Javier Edwards Renard, editor da revista online Ojo Literário, escritores e leitores são permanentemente bombardeados por fragmentos de um mundo "googlelizado". "Diferente do que ocorreu entre 1950 e 1970, a nova prosa e poesia do Chile têm em comum a legitimação de um olhar eclético no qual, tanto na forma quanto no conteúdo, tudo cabe: temas de gênero, conflitos sociais, história política recente, o extravagante e o convencional. E isso faz com que estejamos em um momento ao mesmo tempo confuso e saudável", explica.

Fronteiras narrativas

"Existe algo no clima e na geografia extremos deste país que, marcado por montanhas e cicatrizes profundas em seu relevo, talvez torne o discurso chileno seco, direto e duro na prosa, mas com um enorme poder alegórico e simbólico no exercício da linguagem poética. Nas manifestações literárias mais recentes, porém, há vozes poderosas nas quais a fronteira entre estes gêneros não é tão categórica", afirma Renard. Para ele, os novos narradores começaram a perder certo pudor textual, explorando territórios narrativos mais arriscados, que antes pareciam ser patrimônio da poesia.

Entre os expoentes da novíssima geração está Diego Zuñiga, cujo romance de estreia, Camanchaca, acaba de ser reeditado pela Random House Mondadori e de ganhar tradução na Itália – além de elogios de Alejandro Zambra. Espécie de road-livro, Camanchaca narra a viagem de carro de um jovem obeso com seu pai, resvalando em questões familiares delicadas. O autor de 26 anos foi um dos convidados da Feira Internacional do Livro de Guadalajara de 2012, na qual o Chile foi o país homenageado. Durante o evento, Lina Meruane recebeu o prêmio Sor Juana Inés de la Cruz pelo romance Sangre en el Ojo, também considerado um dos melhores livros estrangeiros editados na Argentina em 2012, segundo a revista Ñ do jornal Clarín. Além dela, autoras como Andrea Jeftanovic, Nona Fernández e Alejandra Costamagna vêm ganhando espaço cada vez maior na cena literária chilena.

Mulheres

Javier Edwards Renard destaca a forte tradição de escritoras no país, antes e depois de Gabriela Mistral. "As mulheres chilenas conhecem o tecido da sociedade de um modo agudo e sensível, são aplicadas em sua prosa, sabem desafiar as formas sem piedade e leem mais do que os homens. Sinto que elas se apoderaram da palavra literária para derrotar séculos de silêncio e, hoje, narram os relatos antes restritos a uma dimensão mais doméstica e particular", finaliza. (MS)

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